O Supremo não é o guardião da moral da nação

Advertência necessária ao leitor

Esta coluna não é indicada para a) quem gosta do jargão “o direito é aquilo que o judiciário diz que é”; b) para quem gosta do projeto do novo CPC que commonliza o Direito; c) para os adeptos da ponderação de valores; d) para quem pratica o esporte chamado “pan-principiologismo”; e) para quem acha que o Judiciário pode ser o superego da nação; f) para quem acha que a moral pode corrigir o Direito.

Faço esta coluna com todo o carinho. E respeito. De alguém acostumado às práticas jurídicas cotidianas e da academia. Tratar-se-á de uma crítica a uma decisão do ministro Barroso. Cada um é responsável pelo(s) que cativa. Ele sempre me cativou. Com ele aprendi. Com ele já debati. E muito. E é exatamente por tudo isso é que a coluna é necessária. Não poderia deixar de escrevê-la. Pelo que sempre defendi, ninguém me perdoaria. Nem eu mesmo.

Além disso, estou a cavaleiro, porque o ministro Barroso, antes de assumir no STF, colocou reservas em relação ao ativismo. Só que, agora, proferiu uma decisão deveras ativista. E, por isso, deve ser cobrado. Na forma da lei e da Constituição.

Primeiro ato: do caso Cassol ao caso Donadon

A Ação Penal 470 consagrou a posição do STF de que, quando há condenação criminal transitada em julgado de mandatário de cargo eletivo, a cassação do mandato é consequência automática da pena, independente de manifestação da Casa Legislativa. Já com o “caso Cassol” (AP 565), houve uma reviravolta na jurisprudência do Supremo, da qual participou o ministro Luís Roberto Barroso: a perda do mandato passou a depender de decisão das Casas Legislativas, na forma como dispõe a Constituição brasileira (artigo 55, inciso VI, parágrafo 2º).

Sobre este assunto, o ministro Barroso apresentou posicionamento claro à época, afirmando que a cassação dos mandatos parlamentares pelo Congresso aliviaria a tensão entre os Poderes, in verbis: “É preciso acabar com esse clima de desconfiança. Em parte, esta decisão passando de volta ao Congresso essa competência é uma forma de desanuviar um pouco esta tensão”. Ainda, manifestou-se dizendo que, embora não acreditasse que esta fosse uma boa decisão, é o que afirma a Constituição: “Acho que a condenação criminal, pelo menos acima de um determinado grau de gravidade do delito, deveria ter essa consequência automática. Mas a Constituição diz o contrário. O dia que a Constituição for o que os intérpretes quiserem independentemente do texto, nós vamos cair numa situação muito perigosa”. [1]

Acertou o ministro Barroso: não importa quão boa ou má seja esta decisão. Ela segue, digamos assim — e isso foi dito pelo próprio ministro — a “letra da Constituição”. Ou seja, o que é relevante para um julgamento é se a decisão está de acordo com a Constituição. Estas são as regras do jogo. Não fosse isso, teríamos uma República Juristocrática (ou será que já não temos?).

Sigo. Bem recentemente, diante do “caso Donadon” (AP 396), a Câmara dos Deputados, cumprindo a prerrogativa que lhe foi concedida constitucionalmente e — gizo — reconhecida pelo Supremo graças ao percuciente voto do ministro Barroso, optou por não cassar o mandato do deputado. A opinião pública não gostou. Parte do Congresso também não aprovou. A revista Veja não gostou. Jornalistas e jornaleiros não gostaram. Wanderlei Luxemburgo não gostou. Fecham-se as cortinas.

Segundo ato: o mandado de segurança impetrado

Pois bem. O porta voz do repúdio a tanto desgosto foi o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que, contra tal decisão do Parlamento, impetrou o Mandado de Segurança n. 32326, com pedido liminar para suspender os efeitos da deliberação pela não cassação do deputado Donadon, distribuído para a relatoria do ministro Barroso. No fundo, um tiro no pé do Congresso. Mas, enfim...

Easy: a Constituição disciplina claramente sobre este assunto. O STF já havia se pronunciado sobre esta questão. Até o próprio ministro Barroso já havia se posicionado sobre este tema, como referido no início desta coluna.

Mas o que fez o ministro Barroso? Para a surpresa da comunidade jurídica (na verdade, minha frase é retórica, porque não sei a dimensão da surpresa; nem sei se há), na contramão do posicionamento apresentado anteriormente, concedeu liminar inaudita altera pars, suspendendo os efeitos da deliberação da Câmara dos Deputados que tomou a malfadada decisão, nos seguintes termos:

1. A Constituição prevê, como regra geral, que cabe a cada uma das Casas do Congresso Nacional, respectivamente, a decisão sobre a perda do mandato de Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal transitada em julgado.

2. Esta regra geral, no entanto, não se aplica em caso de condenação em regime inicial fechado, que deva perdurar por tempo superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar. Em tal situação, a perda do mandato se dá...

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