Desenvolvimento x Sustentabilidade: Uma Abordagem Transdisciplinar

AutorAngelita Woltmann; Luiz Ernani Bonesso de Araújo
Páginas461-482

Angelita Woltmann. Acadêmica do Mestrado em Integração Latino-Americana (MILA), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Ernani Bonesso de Araújo; Acadêmica do Curso de Especialização em Direito Constitucional aplicado: uma abordagem material e processual, do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA).

Luiz Ernani Bonesso de Araújo. Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Professor da UFSM, UNIFRA e UNIJUÍ.

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A terra é um pequeno cesto de lixo cósmico transformado de maneira improvável não apenas num astro muito complexo, mas também num jardim, nosso jardim. A vida que ela produziu, da qual ela usufrui, da qual usufruímos, não surgiu de nenhuma necessidade a priori. Ela é talvez única no cosmos, é a única no sistema solar, é frágil, rara, e preciosa por ser rara e frágil. (Edgar Morin e Anne Brigitte Kern.Terra Pátria. 1995)

Considerações iniciais

A pretensão do presente trabalho1 limita-se a estudar o discurso do desenvolvimento sustentável, tema recorrente no Direito Ambiental atualmente,Page 462 sob o olhar do paradigma da transdisplinaridade. Para alcançar tal objetivo, pretende-se articular o princípio da sustentabilidade com questões ambientais polêmicas oriundas do desenvolvimento, que a cada dia estão mais presentes nas discussões da sociedade tecnológica, moderna ou pós-industrial, denominada por alguns de sociedade de risco2.

Desde o surgimento do homem na terra que se houve falar em agressão ao meio ambiente. É, contudo, a partir da Revolução Industrial, e, depois, do advento da globalização, que tal problemática começa a tomar contornos de realidade. Essa nova realidade preocupa toda a sociedade, pois, devido à aceleração industrial e tecnológica, dirigida pelos grandes grupos comerciais, estes, por excesso de discurso e falta de prática sobre educação ambiental, passam a utilizar-se de maneira irresponsável da tecnologia alcançada, gerando graves danos para o ecossistema. No fim, o almejado desenvolvimento torna-se totalmente insustentável, dando ensejo à emergência por um Direito Ambiental, isto em função de até bem pouco tempo o meio ambiente ser considerado como um bem livre (e ainda o é) ou quase livre, o que é conseqüência da visão de mundo da sociedade ocidental capitalista, atualmente nomeada como "sociedade globalizada” (MELLO, 1999).

Tanto nos países em desenvolvimento3, quanto nos desenvolvidos, vários fatores4 contribuem para o surgimento e agravamento dos problemasPage 463 ambientais, sendo que a forma como estes fenômenos se organizam e se reproduzem vêm causando uma degradação crescente e de efeitos imprevisíveis ao meio ambiente planetário.

Neste cenário, criado pela ação humana, o tema desenvolvimento sustentável mostra-se como sendo mais do que um movimento apenas de modismos intelectuais. Expressa sim, a crescente preocupação dos mais variados segmentos sociais com a constatação de que a organização da sociedade atualmente está em confronto com a sobrevivência, não só da espécie humana; como também, de outras espécies de seres vivos e do próprio meio ambiente, visto de forma global.

Há que se ressaltar, igualmente, o despreparo dos poderes públicos para lidar com a questão: o Judiciário, contando com alguns membros visivelmente desinformados e desatualizados frente aos novos direitos5; o Legislativo, com inúmeros projetos empacados e carecendo de conhecimento na área referente ao ambiente e; por fim, o Executivo, inerte e desprovido de iniciativas para colocar em prática, políticas públicas de informação e prevenção da sociedade diante dos novos riscos.

Percebe-se assim, que a complexidade ambiental reclama a participação de áreas e especialistas que trazem pontos de vista diferentes e complementares sobre um problema e uma realidade, estabelecendo-se entre os mesmos nexos e vínculos para alcançar um conhecimento mais abrangente, ao mesmo tempo diversificado e unificado (interdisciplinaridade). No entanto, para que se opere uma mudança nos paradigmas6 ambientais atuais modernos, e até no conceitoPage 464 de desenvolvimento sustentável, é necessário chegar-se a uma etapa superior de integração entre os saberes7. É preciso articular a sustentabilidade e o desenvolvimento, sob a ótica do pensamento complexo, e, por conseguinte, da transdisciplinaridade, ousando transformar o modo de organização da sociedade, para que assim, homem e natureza possam co-evoluir.

Para organizar estas idéias, utiliza-se a ordem de duas etapas, organizadas a partir de pesquisa básica, qualitativa e exploratória, sendo o método usado, o dialético. Primeiro, procura-se enfrentar a questão do desenvolvimento versus sustentabilidade dentro da sociedade de risco, para, em um segundo momento, trazer a união dessas matérias para a ótica transdisciplinar do pensamento complexo. Ao final, tomando-se como parâmetro as colocações ao longo do texto, sem, contudo, encerrar o debate, se apresenta as considerações finais, as quais possuem o objetivo de trazer à cena ambiental, em especial no cenário latino-americano, a transdisciplinariedade como paradigma para a organização de uma sociedade sustentável.

1. A questão da sustentabilidade frente ao desenvolvimento

A dinâmica que o capitalismo pós-industrial assumiu no final do último milênio conduziu a sociedade ao fenômeno da globalização8, trazendo consigo o risco9.

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O mundo, apesar de notáveis esforços retóricos, continua acentuando suas características e relações reais, podendo ser definido atualmente como financeiramente total, economicamente global, politicamente tribal e ecologicamente letal. (CAUBET, 1999).

Os problemas existentes são tantos que as crises não são mais independentes umas das outras, mas sim diferentes crises que se integram formando um problema único e complexo. Nessa direção, passar a existir o que Beck (1995) denomina de sociedade de risco, inicialmente difundida na Alemanha e, posteriormente, nos demais países da Europa.

A sociedade de risco é inaugurada no momento em que as instituições da sociedade industrial já não são capazes de controlar a produção dos riscos, que passam a ser caracterizados como incontáveis e imprevisíveis.

As metamorfoses tecnológicas advindas dessa era do risco perseguem incessantemente a melhoria nos processos de produção, entretanto, não levam em conta os efeitos nocivos sobre o meio ambiente. Com o agravamento dos índices de poluição e seus efeitos danosos à saúde humana e aos diversos ecossistemas, surge nos países mais industrializados uma maior pressão social sobre os problemas ambientais.

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A ação governamental enuncia os princípios da prevenção10 e da precaução11 através de algumas atividades que, ao mesmo tempo em que auxiliam a proteção do meio ambiente, instigam ainda mais os países chamados em desenvolvimento a entregar-se ao progresso, como se fosse uma doença. A demarcação de áreas de conservação e preservação ambientais e o estabelecimento de padrões mais rigorosos de emissão de poluentes industriais são exemplos da atuação positiva do governo. Em contrapartida, a internalização dos custos ambientais pagos em grau cada vez maior pelas atividades econômicas que os produzem também trazem prejuízos ao bolso do consumidor, assim como o desenvolvimento de plantas industriais mais limpas nos países já desenvolvidos resultam na exportação de indústrias poluidoras para os países em desenvolvimento.

Ou seja, é inegável a necessidade do desenvolvimento para a humanidade; mas, esse desenvolvimento vem sendo posto em prática de modo errado, favorecendo apenas os países ricos e instigando aqueles mais pobres, como os do panorama latino-americano, a perseguirem o crescimento econômico a qualquer preço12.

A sociedade global precisa adotar objetivos comuns, para que aumente seu bem-estar social. Hawken (1999, p. 18) entende ser o que denomina dePage 467 capitalismo natural um destes. Significa um meio para possibilitar muitos resultados sociais. Assim, por mais diferentes que sejam as ideologias das sociedades, juntas podem empenhar-se em favor dos recursos naturais, independentemente de soluções políticas.

No entanto, a emergência não está apenas ligada à degradação do ambiente natural, e sim, ao cultural. O processo de desenvolvimento técnico-científico requer uma mudança urgente na cultura do ser humano. Os problemas ambientais englobam diversas dimensões da organização planetária e clamam pelo questionamento e pela não acomodação da sociedade local e global com o que está acontecendo em seu habitat e com seus valores e conceitos.

O Brasil, por exemplo, é o país mais rico em biodiversidade no mundo, o que faz com que possua uma imensa vantagem e capacidade de gerar riquezas sobre os demais, especialmente neste século, que proclama o império da biotecnologia. Não é imotivadamente que há inúmeras empresas multinacionais instaladas no Brasil, buscando incansavelmente apropriar-se do patrimônio genético e consagrando a política mercantilista que marca a era do risco. A concessão de patentes a formas de vida pertencentes ao território brasileiro, por exemplo, e o monopólio que algumas empresas já adquiriram sobre os recursos genéticos do País, são assuntos que têm sido marcados por constantes críticas13. Além disso, é preocupante o desconhecimento do próprio povo brasileiro sobre a riqueza e a importância da conservação da biodiversidade.

A necessidade de concentrar esforços para a conservação biológica dos ecossistemas ameaçados e de sua biodiversidade não é uma discussão recente. Um ponto fundamental nesta discussão é a interação entre as sociedades humanas e a biodiversidade. Neste contexto, é de grandePage 468 importância a...

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