Terror cultural

Editoras e livrarias que se tornaram refúgio e referência para autores perseguidos enfrentaram forte repressão, incluindo atentados a bomba, mas procuraram manter o debate político durante o períodoGuilherme Freitasguilherme.freitas@oglobo.com.brCensura. Ivan Pinheiro Machado (à esq.) e Paulo Lima, da LyPM, em 1978: livro de Mourão Filho foi apreendido na gráficaPerseguição. Fachada da Livraria Civilização Brasileira destruída depois de um atentado a bomba, em 1968Divulgação/Editora LyPMArquivoNuma das muitas ocasiões em que foi preso durante a ditadura, em maio de 1965, o editor Ênio Silveira recebeu uma inesperada demonstração de apoio. Na mira do regime desde o início por sua atuação à frente da Civilização Brasileira, casa de vários autores de oposição, ele foi detido por promover uma feijoada em homenagem ao ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, cassado logo após o golpe. A prisão arbitrária foi contestada por um abaixo-assinado com mais de mil nomes, de militantes históricos de esquerda ao compositor Pixinguinha. E por um bilhete manuscrito do marechal Castelo Branco ao chefe de seu Gabinete Militar, general Ernesto Geisel: "Por que a prisão do Ênio? Só para depor?", perguntava o presidente. "Apreensão de livros. Nunca se fez isso no Brasil. Só de alguns (alguns!) livros imorais. Os resultados são os piores possíveis contra nós. É mesmo um terror cultural".A expressão "terror cultural" havia sido cunhada por Alceu Amoroso Lima para se referir à perseguição de intelectuais e artistas no início do regime. Mais tarde, foi tema de um número especial da "Revista Civilização Brasileira". Revelado pelo jornalista Elio Gaspari em "A ditadura envergonhada" (Intrínseca), o bilhete de Castelo Branco flagra um momento em que a "linha dura" do regime começava a se impor (e mostra que o marechal supostamente moderado também enxergava livros "imorais" como ameaça). Nos anos seguintes, sobretudo após o AI-5, em 1968, o "terror cultural" se alastrou. Entre seus principais alvos estavam editoras e livrarias.Um dos símbolos dessa perseguição foi o atentado a bomba contra a Livraria Civilização Brasileira, em 1968. Instalada desde 1955 na Rua Sete de Setembro, no Centro do Rio, a loja havia se tornado centro de debate político e ponto de encontro de autores da casa, artistas e intelectuais de esquerda como Carlos Heitor Cony, Antonio Callado, Di Cavalcanti, Nelson Werneck Sodré e Dias Gomes, entre muitos outros. Na madrugada de 14 de outubro, dois meses antes do...

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