Desemprego, flexibilização dos direitos trabalhistas e lutas sociais na frança: a trajetória e os desafios do movimento social AC!

AutorElaine Regina Aguiar Amorim
CargoDoutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (2010) - Brasil
Páginas35-66
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 12 - Nº 23 - Jan./Abr. de 2013
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Desemprego, f‌lexibilização dos
direitos trabalhistas e lutas sociais na
França: a trajetória e os desaf‌ios do
movimento social AC!1
Elaine Regina Aguiar Amorim2
Resumo
Este artigo tem como objetivos discutir, por um lado, a trajetória do movimento social AC! (Agir
ensemble contre le chômage ! [Agir juntos contra o desemprego!]), que teve um papel impor-
tante, a partir de 1993, nas mobilizações desenvolvidas contra o desemprego na França e, por
outro, o processo de f‌lexibilização do sistema de proteção social destinado aos desempregados
franceses. O texto analisa as particularidades da formação dessa organização, as suas redef‌ini-
ções reivindicativas decorrentes, entre outros fatores, das mudanças no perf‌il da sua base social e
das alterações realizadas nos direitos dos desempregados, como também os desaf‌ios enfrentados
a partir dos anos 2000 frente ao esvaziamento que a atingiu. A análise estende-se até o ano de
2008 e baseia-se na pesquisa de campo realizada em Paris por meio dos seguintes procedimentos
metodológicos: pesquisa documental e bibliográf‌ica, entrevistas qualitativas junto às lideranças e
observação participante em diversas atividades (assembleias, reuniões e manifestações).
Palavras-chave: Mobilização de desempregados. Desemprego. Neoliberalismo. Lut as sociais.
Flexibilização dos direitos trabalhistas.
1. Introdução
A partir de 1974 os níveis de desemprego na França seguiram uma curva
ascendente, colocando m a uma situação que se poderia chamar de quase
1 Este artigo é uma versão modif‌icada do texto “A formação da AC! e a f‌lexibilização dos direitos dos
desempregados na França”, de minha tese de doutorado (AMORIM, 2010).
2 Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (2010) – Brasil, onde desenvolve pós-doutorado
no Departamento de Ciência Política. Autora, entre outras obras, de No Limite da Precarização? Terceirização e
trabalho feminino na indústria de confecção (Annablume, 2010). E-mail: amorim_elaine@ig.com.br.
jvvr
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“pleno emprego”. No período denominado “Trinta Anos Gloriosos” (1949-
1974), a taxa de desemprego variou entre 2 e 3%, sendo que em 1949 corres-
pondeu a 1,2% e em 1974 a 2,5% (HUSSON, 2009; 1996). Porcentagens
nunca mais alcançadas após a recessão da década de 1970 até a década atual.
Enquanto os índices registraram 9%, em 1985, as oscilações observadas desde
então até 2009 variaram entre 7,5% (2007) e 11% (1994) (HUSSON, 2009).
Entre as explicações formuladas sobre o aumento observado entre as dé-
cadas de 1970 e 2000 destacaram-se as interpretações liberais que atribuíram
as causas do desemprego à “rigidez estrutural” presente na regulação dos salá-
rios, nas proteções sociais e nos direitos trabalhistas (COUTROT; HUSSON;
RAMAUX, 2000). Pouco a pouco se forjou um discurso favorável ao m des-
sa “rigidez” e à aplicação de um conjunto de medidas destinadas a exibilizar
o mercado de trabalho e a reestruturar a economia. Embora a aplicação dessas
medidas na França não tenha ocorrido com a mesma rapidez e intensidade
observadas em outros países, é interessante notar que os debates realizados
no país, no nal da década de 1970, em torno das políticas de emprego e das
proteções sociais dos desempregados, sinalizavam as orientações neoliberais
que se concretizariam nos anos seguintes na política econômica.
Nesse contexto, no nal dos anos 70 do século passado algumas expe-
riências de organização e mobilização dos desempregados foram postas em
prática com o aumento das taxas de desemprego. Dentre as experiências sin-
dicais, a principal e existente ainda hoje é a da CGT (Confédération Générale
du Travail [Confederação Geral do Trabalho]), que em 1978 criou pela pri-
meira vez o Comitê Nacional CGT de luta e de defesa dos desempregados e,
posteriormente, o Comitê Nacional CGT dos Privados de Emprego e Precá-
rios. Outras iniciativas colocadas em prática pela CFDT (Confédération Française
Démocratique du Travail[Confederação Francesa Democrática do Trabalho]),
pela CFTC (Confédération Française des Travailleurs Chrétiens [Confederação Fran-
cesa dos Trabalhadores Cristãos]) e pelo Syndicat des Chômeurs3 [Sindicato dos
3 Criado em 1982 com o objetivo de ser uma instância representativa dos desempregados, com capacidade para
intermediá-los junto às esferas governamentais, o Sindicato dos desempregados mostrou-se forte inicialmente,
reunindo centenas de participantes em sucessivas manifestações e atraindo por um curto período o interesse
da mídia (FILLIEULE, 1993). Mas, se inicialmente esse sindicato procurou tratar politicamente a questão do
desemprego, paulatinamente abandonou tal tratamento ao obter o apoio f‌inanceiro da Igreja Católica, com a
criação, em 1984, do CCSC (ComitéChrétien de Solidarité avec les Chômeurs [Comitê Cristão de Solidariedade
aos Desempregados]) – que assegurou a sua existência de modo independente das concessões estatais ou de sua
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Desempregados] (que, apesar do nome, não teve uma estrutura e atuação se-
melhantes a de um sindicato), não perduraram, mas inuenciaram os militan-
tes envolvidos na criação posterior dos movimentos de desempregados.
A partir de meados de 1980 surgiriam os principais movimentos de de-
sempregados franceses existentes atualmente: em 1986, o MNCP (Mouvement
National des Chômeurs et Précaires [Movimento Nacional de Desempregados
e Precários]), apoiado por Maurice Pagat fundador do Sindicato dos Desem-
pregados e a APEIS (Association pour l’Emploi, l’Information et la Solidarité des
Chômeurs et Travailleurs Précaires [Associação pelo Emprego, a Informação e
a Solidariedade dos Desempregados e Trabalhadores Precários]), respaldada
nanceiramente pelo Parti CommunisteFrançais [Partido Comunista Francês –
PCF] e, em 1993, a AC! (Agir ensemble contre le chômage! [Agir juntos contra
o desemprego!]), que se denia inicialmente como um movimento contra o
desemprego.
A origem e o desenvolvimento de organizações representativas dos de-
sempregados na França estão relacionados não somente com o aumento do
desemprego no país, mas com as diculdades de acesso aos recursos nancei-
ros do Fundo Social destinado para essa parcela da população, no âmbito da
ASSEDIC (Association pour l’Emploi dans l’Industrie et le Commerce [Asso-
ciação pelo Emprego na Indústria e no Comércio]), órgão responsável pela
concessão do seguro-desemprego. Ao longo da década de 1980, e sobretudo
depois, a luta pela preservação e cumprimento dos direitos conquistados – o
seguro-desemprego e a prestação de solidariedade –, como também pela apli-
cação de políticas favoráveis à geração de emprego e renda para grupos com
maiores diculdades de inserção no mercado de trabalho (jovens, mulheres,
desempregados de longa duração) tornou-se cada vez mais urgente.
Nesse sentido, o objetivo geral deste artigo é discutir, por um lado, a tra-
jetória da AC!, que teve um papel importante nas mobilizações desenvolvidas
contra o desemprego na França, nas mobilizações realizadas em outros países
da Europa e na formação das Marches Européennes (Marchas Europeias), como
também analisar, por outro lado, o processo de exibilização4 do sistema de
capacidade de mobilização. Após a obtenção do apoio católico, as ações reivindicativas foram abandonadas
para dar lugar ao assistencialismo.
4 Os ter mos “desregulamentação” e “f‌lexibilização” são utilizados para indicar as alterações realizadas nos
direitos trabalhistas. Consideramos “desregulamentação” uma designação inadequada pelo fato de não
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proteção social destinado aos desempregados franceses. Pretendemos discutir
as particularidades da formação dessa organização, as suas redenições reivin-
dicativas ocasionadas, entre outros fatores, pelas mudanças no perl da sua
base social e pelas reformas realizadas nos direitos dos desempregados, bem
como os desaos que enfrentou nos anos 2000 frente ao esvaziamento que a
atingiu.
A discussão baseia-se na pesquisa desenvolvida na França, entre agosto
de 2008 e julho de 2009, por ocasião do Estágio de Doutorado (Bolsa San-
duíche) realizado na Université Paris 8. A pesquisa contemplou o estudo da
bibliograa francesa e de documentos (boletins, textos, carta de lançamento)
produzidos pela AC!; a realização de entrevistas qualitativas (baseadas em ro-
teiros semiestruturados) com dois representantes desta organização – Michel
Rousseau e Évelyne Perrin – e, ainda, com um dos seus fundadores, não mais
atuante, o economista Michel Husson. O trabalho de campo, realizado no
primeiro semestre de 2009, concentrou-se na região parisiense, o que possibi-
litou a observação participante em diversas atividades (assembleias, reuniões
e manifestações) promovidas no período pelo movimento em conjunto com
outras organizações.
2. Origem, formação e primeiras lutas de “agir juntos contra o
desemprego!”
A análise da formação da AC! deve se remeter não só às experiências
prévias de organização dos desempregados e ao contexto de diminuição do
emprego, mas também aos debates promovidos por militantes políticos e
sindicais no interior da revista intersindical Collectif 5 (Coletivo), constituída
como um espaço de discussão e reexão crítica sobre o sindicalismo francês.
expressar a regulamentação de novos direitos que acompanhou as reformas trabalhistas. Por isso, embora o
termo “f‌lexibilização” possa não indicar com exatidão a precarização das condições de trabalho e emprego
que acompanhou tais reformas, é nesse sentido que o utilizamos neste trabalho. Para uma análise crítica sobre
os signif‌icados teóricos e/ou políticos dos termos “desregulamentação”, “f‌lexibilização”, “trabalho atípico” e
“precarização”, consultar o estudo de Paula Marcelino (2008), no qual a autora pontua as ambiguidades
dessas noções e considera como mais apropriado o termo “precarização”.
5 Criada em 1986, Collectif resultou da fusão de duas revistas sindicais, a Alternative Syndicale (Alternativa
Sindical, revista interna da CFDT) e a Résister (Resistir), visando ampliar o debate realizado por cada uma
para outros grupos sindicais.
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Pode-se dizer que o principal antecedente d’AC! encontra-se nos debates
promovidos por sindicalistas de classe média, provenientes do funcionalis-
mo público, do Groupe des Dix [Grupo dos Dez] (agrupamento de sindicatos
e federações autônomas criado em 1981) e das correntes de oposição interna
da CGT e da CFDT (vinculadas à Ligue Communiste Révolutionnaire [Liga Co-
munista Revolucionária – LCR]), dentre as quais se encontravam militan-
tes expulsos por esta confederação e que viriam a formar o sindicato SUD
(Solidaires Unitaires Démocratiques [Solidários, Unitários, Democráticos]).
Embora oriundos de diferentes espaços sindicais, os militantes reuni-
dos na revista Collectif compartilhavam uma análise crítica do sindicalismo
francês. Em um contexto caracterizado pela dessindicalização, pela queda das
atividades grevistas, pela reorientação das ações sindicais para o interior das
empresas e pelo aumento do desemprego, esses sindicalistas buscavam formas
de reorganizar a luta sindical. Dentre estes, um grupo de militantes da CFDT,
tendo à frente Claire Villiers, proporia em 1992, em um ateliê denominado
“Meios de ação contra o desemprego e a exclusão”, a formação de uma rede de
luta contra o desemprego. Se nesse ano a proposta não ressoou entre os mem-
bros da revista que estavam mais preocupados com uma reunicação sindical,
Claire Villiers apresentaria novamente a sua proposta, em 1993, tendo desta
vez o apoio de Christophe Aguiton, sindicalista expulso da CFDT e fundador
do Sindicato SUD (COHEN, 2008).
O projeto original consistia em formar uma ampla rede de luta contra
o desemprego e em defesa dos trabalhadores sem representação sindical, que
fosse capaz de retomar a combatividade sindical que havia prevalecido na dé-
cada de 1970 e possibilitar a unidade entre os diferentes segmentos do assala-
riado (COHEN, 2003). Conforme a explicação de Isabelle Sommier:
A preocupação de participar de uma renovação da forma sindical se inscreve em uma re-
f‌lexão de conjunto, segundo a qual o desemprego não seria somente um problema de
emprego, mas também a expressão de uma mudança profunda da sociedade, necessitando
da mobilização de todos, de outras práticas militantes (unidade de ação, participação de-
mocrática) e de modos de intervenção que f‌izessem a junção entre medidas de urgência
para os desempregados e debates de fundo, como o da redução do tempo de trabalho6
(SOMMIER, 2003, p. 87).
6 Esta e as demais traduções de trechos de textos citados foram feitas de forma livre pela autora.
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Se o desemprego tornou-se o ponto de partida para se discutir outras
mudanças no seio da sociedade e para reorganizar as práticas sindicais, para
alguns militantes a formação de uma associação especíca buscava respon-
der também as diculdades do próprio sindicalismo frente a um fenômeno
inédito: o desemprego de longa duração7. Segundo o depoimento de Michel
Rousseau, um dos secretários da AC!, os sindicatos não sabiam como proceder
frente às novas características do desemprego, isto é, a sua magnitude e extensa
permanência.
Nesse momento nós estamos em um período em que havia não só o desemprego, mas o
que chamamos desemprego de massa e de longa duração. Ao mesmo tempo, no âmbito
dos sindicalistas não se sabia como eles iriam combater esse fenômeno, quer dizer, a maior
parte dos sindicatos não sabia como lut ar contra o desemprego. Quando o desemprego
começou a crescer na França e na maior parte dos países da União Europeia, o desemprego
era uma exceção, não era um fenômeno de massa; [...] daí que surgiu a ideia da AC! e de
outras associações (Michel Rousseau, membro da Secretaria Técnica da AC! e coordenador
das Marchas Europeias, 30/06/09).
Mas não se tratava simplesmente de uma situação inédita contra a qual
se chocou o despreparo do movimento sindical. O ineditismo do aumento e
da duração do desemprego utilizado como justicativa para práticas adotadas
pelos sindicatos ou para a não organização dos trabalhadores demitidos obs-
curece reorientações ideológicas implícitas na adoção de novas formas de ação,
no apego à representação exclusiva dos sindicalizados e na recusa de lidar com
as transformações em curso.
A formação da AC! parece-nos, nesse sentido, um exemplo contrário a
tais práticas e uma tentativa de construir uma unidade entre diferentes se-
tores das classes trabalhadoras. Ela resultou de vários fatores relacionados à
insatisfação de setores sindicais frente ao recuo político-ideológico do sin-
dicalismo, à incapacidade deste de mobilizar os trabalhadores que estavam
fora do mercado de trabalho e à necessidade de impulsionar lutas envolvendo
diferentes setores sociais em torno de um projeto de crítica radical ao modelo
“neoliberal” (AC!, 1995). Diante disso, o tema do desemprego foi tomado
como o eixo articulador de diferentes segmentos dos trabalhadores e como
7 O desemprego de longa duração corresponde à situação de desemprego que tenha atingido um ano ou mais
de duração.
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estratégia para a retomada de mobilizações combativas; o que era considerado
como fator de fragmentação e enfraquecimento das lutas sindicais passou a ser
concebido pelos militantes envolvidos na criação da AC! como uma possível
alavanca para a retomada da combatividade social.
Por isso, além da AC! não ter se originado a partir da iniciativa de desem-
pregados, mas sim de sindicalistas, o seu projeto original não era, conforme
demonstra Valérie Cohen (2003, p. 83), a “mobilização dos desempregados”,
isto é, tornar-se um movimento de desempregados.
É destacável, nesse sentido, a ausência de desempregados entre os signa-
tários da primeira carta de convocação que ocializava o nascimento da AC!.
Lançada em 1993 e intitulada AC! Agir Juntos Contra o Desemprego: Mobiliza-
ção pela Abolição do Desemprego’!, o texto foi assinado por cento e cinquenta
pessoas, entre as quais, militantes de várias associações, inclusive da APEIS
e MNCP, sindicalistas da CFDT, CGT, Groupe des Dix, da FSU (Fédération
SyndicaleUnitaire [Federação Sindical Unitária]), assim como por inúmeros in-
telectuais e pesquisadores (como Guy Aznar, Pierre Bourdieu, Robert Boyer,
omas Coutrot, Helena Hirata, Michel Husson, Danièle Linhart, Alain Lipietz,
Danièle Kergoat, Margaret Maruani, René Mouriaux, entre muitos outros).
Na carta são explicitados os motivos do lançamento da AC!, da convo-
cação de uma luta conjunta e os objetivos almejados. Reconhecendo as lutas
existentes contra as demissões e à precarização do trabalho, é ressaltado
o caráter defensivo das mesmas e, por isso, a necessidade da articulação de
mobilizações conjuntas, envolvendo diferentes setores sociais, a favor da“(...)
repartição do tempo de trabalho e das riquezas” (AC!, 1993, p.1). Para tanto,
é proposta uma instância que federalize as lutas de sindicatos e movimentos
sociais contra o desemprego e unique desempregados e assalariados por meio
de ações locais e nacionais (AC!, 1993; HUSSON, 1994). Aqui se encontra
justamente a originalidade da AC! na concepção de Sommier (2003) e Cohen
(2003): a sua tentativa de agrupar trabalhadores ocupados e desocupados, não
se direcionando exclusivamente para estes, nem se constituindo como um
sindicato ou como uma organização de desempregados.
Para o economista Michel Husson, que foi membro da revista Collectif
e da AC!, o que esta apresentava como novidade destacável era o fato de se
constituir como:
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[...] a primeira iniciativa depois de muito tempo, que reúne [reunia] em torno de um projeto
comum, atores que têm [tinham] sobre a questão do desemprego pontos de vista a priori
diferentes senão divergentes: sindicalistas do setor público e privado, organizações de desem-
pregados, redes associativas, pesquisadores de diferentes disciplinas (HUSSON, 1994, p. 7).
A AC! conformou-se juridicamente como uma “associação” e se deniu
como uma espécie de “federação” (AC!, 2002a; COHEN, 2003), reagrupan-
do diferentes organizações (sindicatos, associações), no entanto, ao longo dos
anos parece ter prevalecido a sua identicação como um movimento social de
desempregados. O seu funcionamento baseou-se nas atividades dos comitês/
coletivos locais implantados nas principais cidades da França, coordenados
por uma instância nacional localizada em Paris8.
Nos primeiros encontros nacionais, em janeiro de 1994, decidiu-se orga-
nizar uma Marcha Nacional Contra o Desemprego e a Exclusão que partisse
de diferentes regiões do país e convergisse em Paris (AC!, 1995). Buscava-se
com essa forma de luta obter uma visibilidade na mídia e chamar a atenção da
população para a causa da associação. Porém, o que se observaria no início das
marchas seria justamente a ausência de desempregados. Estes se integrariam
somente com a passagem da marcha pelas cidades. A lacuna observada na
ocasião demonstrava o caráter inicial da AC!, qual seja: um movimento contra
o desemprego (antes que um movimento de desempregados), lançado sem ter
propriamente uma base social composta pelos principais sujeitos atingidos
pelo desemprego.
Após a realização das marchas de 1994, a AC! conseguiu expandir os seus
comitês locais por meio do engajamento de militantes políticos e sindicais,
mas também de desempregados, em grande parte acima dos 40 anos, carac-
terizados seja por uma trajetória ocupacional estável, seja pela longa perma-
nência na situação de desemprego (COHEN, 2008). A participação desses
trabalhadores sem emprego repercutiu nas discussões realizadas no interior
da AC! e contribuiu para que as reivindicações ganhassem novos conteúdos.
Vejamos, então, como ocorreram essas alterações tomando como ponto de
partida os objetivos iniciais da organização.
8 Além dos coletivos locais, outras instâncias compuseram a AC!: as coordenações locais (por cidades, regiões...),
a coordenação nacional, as comissões nacionais, o secretariado nacional, os amigos da AC! (associação que
gere os fundos), os porta-vozes (AC! 2002, p.3).
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A própria designação da AC! já indicava um objetivo: Agir Juntos Contra
o Desemprego! Considerando o desemprego a “principal forma de exclusão”
e como causa do “progresso técnico”, da divisão do tempo de trabalho e das
rendas, o seu combate dar-se-ia, segundo a carta de lançamento da AC!, pela
redução da jornada de trabalho e pela repartição das riquezas. Esta redução
deveria se concretizar sem “agravar a situação dos assalariados” ou intensicar
o ritmo de trabalho, mas sim envolver novas contratações. Reivindicando a
jornada de trabalho de 35 horas semanais e tendo como perspectiva futura a
luta pelas 30 horas, a AC! defendia a mobilização conjunta entre assalariados
e desempregados como condição essencial para que o debate seja [fosse] o mais
amplo possível (AC!, 1993, p. 3).
No que diz respeito à repartição das riquezas, o texto enfatizava o fato de
a França ter uma das maiores desigualdades de renda e fortuna entre os países
desenvolvidos: “[...] os 10% de domicílios mais ricos têm 28% das rendas e
54% do patrimônio. Os 50% dos domicílios mais pobres têm somente 6% do
patrimônio” (AC!, 1993, p.3). Em contrapartida, defendia-se a repartição das
riquezas de tal modo que a redução do tempo de trabalho preservasse o “poder
de compra” dos trabalhadores. Nesse caso era proposto: “repartição mais justa
dos ganhos de produtividade” e “das riquezas produzidas entre a remuneração
do trabalho e a do capital”; “a instauração de novas relações entre países ricos
e países pobres”; entre outras propostas (AC!, 1993, p. 3).
Além disso, defendia-se que a criação de empregos exigia impor outra
lógica, ou seja, “[...] trata-se de escolher um outro modo de produção, uma
outra organização do trabalho que não repouse mais sobre as divisões atuais”
(AC!, 1993, p. 3). Em nenhum momento é explicitado no texto o que se com-
preende por “outro modo de produção” e, apesar da crítica à concentração
das riquezas, nas propostas formuladas para uma melhor “repartição” não está
necessariamente em causa, ao menos na carta de convocação, a apropriação
privada dessas riquezas, como evidencia a seguinte formulação: “uma repar-
tição mais justa das riquezas produzidas entre a remuneração do trabalho e a
do capital”.
A lacuna que percebemos nessas proposições não retira, todavia, o caráter
ofensivo presente nelas, pois, uma vez concretizadas, atingiriam a extração de
capital e seguiam na contramão da lógica de redenição dos mecanismos de
exploração e dominação imposta pela reestruturação produtiva e pelas políticas
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neoliberais. Estas, com efeito, eram consideradas como parte de um projeto
oposto ao da AC!, conforme argumenta Michel Husson, na apresentação ao
segundo livro da associação (AC!, 1995). Neste texto se explicita claramente
a oposição das reivindicações da AC! em relação às políticas neoliberais: “[...]
Hoje, existe com efeito somente dois projetos realmente coerentes: o projeto
dominante neo-liberal e um projeto radical visando à abolição do desempre-
go, que é ambição da AC! fazer viver”. Mais a frente o autor complementa:
“[...] O projeto da AC! constitui uma crítica radical deste modelo [neoliberal]
(HUSSON, 1995, p. 6-7).
No entanto, à medida que os desempregados passaram a compor a as-
sociação, a exigência de lutas voltadas para questões emergenciais se impôs.
Enquanto os debates em torno da redução da jornada de trabalho atraíam o
interesse e a participação dos sindicalistas, os trabalhadores sem emprego dese-
javam debater questões mais imediatas e urgentes relacionadas às condições de
sobrevivência. Em sua pesquisa de campo, Cohen (2003, p. 192) presenciou
as divergências entre sindicalistas e desempregados nos debates internos dos
coletivos locais, citadas nos trechos abaixo:
[...] O problema para os desempregados é a redução do tempo da miséria. Os desemprega-
dos não podem se mobilizar pela RTT [Redução do Tempo de Trabalho], porque quando se
está desempregado, se está na urgência (Desempregado).
É verdade que a RTT não é uma reivindicação dos desempregados. Não podem nos dizer
que, em cinco anos, com a RTT, os patrões contratarão. Portanto, é por isso que eu luto
pela renda. É uma prioridade (Desempregado).
Eu recuso essa clivagem, nós estamos todos confrontados no mundo do trabalho, temos os
mesmos objetivos. Nós, os sindicalistas, estamos interessados pela RTT e os desemprega-
dos pela renda. Eu penso que é preciso conduzir as duas frentes (Sindicalista).
Diante dessas discussões, duas formas de ação concretas foram colocadas
em prática para atender à demanda por emprego imediato: as ocupações de
prédios públicos e as requisições de emprego, que corresponderam aos princi-
pais métodos de luta praticados pela AC! durante os anos de 1990, especial-
mente, na região parisiense. As requisições consistiam em exigir das empresas
novas contratações e eram ações preparadas durante vários meses em conjun-
to com sindicalistas, que forneciam informações úteis sobre as empresas que
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seriam alvo das manifestações (por exemplo, número de empregados, aposen-
tados, postos de trabalho vagos, balanço orçamentário, entre outras). Com
base nessas informações eram selecionados os currículos dos desempregados
a ser entregues nas mobilizações realizadas no próprio local da empresa esco-
lhida. A importância dessa ação estava na articulação com os sindicatos, que
sabiam quantos postos de trabalho necessitavam ser preenchidos por conta
das horas extras realizadas pelos trabalhadores, pela quantidade de licenças e
aposentadorias.
As requisições de emprego, apesar do efeito midiático, em poucos casos
repercutiram na contratação dos desempregados. Com isso, as reivindicações
direcionaram-se para dois eixos principais: 1º) medidas emergenciais destina-
das a melhorar as condições de sobrevivência dos desempregados (gratuidade
dos transportes públicos, m dos cortes do fornecimento de energia, água e
telefone, entre outros); 2º) preservação e melhoria dos direitos de indenização
dos desempregados. A partir desses dois eixos o lema da AC! passaria a ser :
“Com ou sem emprego, uma renda é um direito”, modicada posteriormente
para “Um emprego é um direito, uma renda é um dever”.
O ano de 1996 representou o marco inicial das lutas direcionadas pela asso-
ciação, em âmbito nacional, contra a redução dos direitos indenizatórios, envol-
vendo inclusive a participação de outros movimentos de desempregados, sob a
coordenação da AC!. A partir desse ano as mobilizações em defesa do regime de
seguro-desemprego e dos direitos conhecidos como “mínimos sociais”9 seriam
reforçadas. Para compreendermos os fatores que levaram a AC! a direcionar-se
para a defesa dessas reivindicações, retomaremos os princípios presentes na ori-
gem do sistema de proteção social dos desempregados franceses e as alterações
sofridas pelo mesmo em decorrência das orientações neoliberais.
3. A f‌lexibilização do sistema de proteção social dos desempregados
na França
No pós-guerra a França desenvolveu um sólido sistema de proteção social
e, em 1958, constituiu pela primeira vez um regime obrigatório de seguro-
desemprego. A gestão do regime de seguro-desemprego coube à UNEDIC
9 Os “mínimos sociais” referem-se a alguns benefícios considerados direitos mínimos que o indivíduo deve ter
assegurado pelo Estado e são concedidos com base nas condições de renda das famílias ou pessoas que vivem
sozinhas e em outros critérios específ‌icos, de acordo com as características do benefício requerido.
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(Union Nationale Interprofessionnelle pour l’Emploi dans l’Industrie et le
Commerce [União Nacional pelo Emprego na Indústria e no Comércio]), ór-
gão criado com esse objetivo e regido de modo paritário por representantes
patronais (Mouvement des Entreprises de France[Movimento das Empresas da
França – MEDEF]) e pelas confederações sindicais consideradas representati-
vas (CGT, CFDT, CFTC e FO – Force Ouvrière [Força Operária]). Uma vez
que uma única confederação concordasse com a proposta dos representantes
patronais, a sua assinatura era suciente para aprovar o acordo, independen-
te da oposição das demais entidades sindicais. Todas as regras relacionadas
ao funcionamento, ao montante, à duração do seguro eram decididas por
essas duas categorias no interior da UNEDIC, que estava vinculada a dois
órgãos especícos: à ASSEDIC (Association pour l’Emploi dans l’Industrie et le
Commerce [Associação pelo Emprego na Indústria e no Comércio]), respon-
sável pela concessão do seguro e pelo acompanhamento dos desempregados na
busca por emprego e à ANPE (Agence Nationale Pour L’Emploi [Agência Nacional
pelo Emprego]), à qual cabia a recolocação destes no mercado de trabalho10.
Durante duas décadas (1958-1978) esse regime obteve melhorias contí-
nuas na duração e no montante da indenização, e incorporou medidas com-
plementares voltadas para os trabalhadores mais velhos, com maiores di-
culdades de reinserção no mercado de trabalho. Tais medidas procuravam
adaptar o funcionamento do seguro às mudanças conjunturais e respondiam
também a pressões sociais. Contudo, em um curto período, entre 1979 e
1984, as reformas realizadas no seguro romperam com o que parecia ser uma
das suas principais perspectivas, isto é, ser um mecanismo ativo a serviço do
emprego e favorecer, por meio da indenização, a mobilidade da força de tra-
balho nos períodos de transição entre a saída de um emprego e a entrada em
outro (DANIEL; TUCHSZIRER, 1999).
A interpretação liberal da crise do emprego na década de 1970 estendeu-se
à forma pela qual a situação de desemprego passou a ser tratada posterior-
mente: se até 1982 a duração do seguro-desemprego era igual para todos
trabalhadores (exceto aqueles com mais de 50 anos cujo direito estendia-se
por um tempo maior), a partir desse ano ela passou a depender do tempo de
10 Em 2009 houve uma fusão dessas instituições, a ASSEDIC e a ANPE, sob uma mesma sigla Pôle Emploi. Vale
lembrar que o f‌inanciamento do seguro-desemprego provém dos salários (35,5%) e das empresas (64,5%).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 12 - Nº 23 - Jan./Abr. de 2013
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contribuição com a criação das modalidades de indenização. Além disso, sob
a pressão do patronato, em 1984 separaram-se os dois tipos de indenização
que formavam o regime: o seguro-desemprego convencional e a prestação de
solidariedade.
Enquanto a primeira indenização era mantida pelas cotizações patronais
e salariais, a segunda mantinha-se por meio dos impostos arrecadados pelo
Estado, por isso seu valor era prexado, regressivo ao longo do tempo, depen-
dente dos recursos disponíveis e destinado especialmente aos desempregados
cujo seguro não alcançava uma renda satisfatória. A separação pôs m à possi-
bilidade de acúmulo das duas indenizações, enquanto a introdução da exigên-
cia do tempo de contribuição levou tanto os desempregados de longa duração
(que já tinham usufruído do seguro) como aqueles cujos contratos anteriores
de trabalho não alcançavam o tempo de contribuição exigido, a dependerem
cada vez mais da prestação de solidariedade.
No quadro 1 expomos as principais características do funcionamento de
cada uma das prestações.
Seguro-desemprego convencional Prestação de solidariedade
Condições para
ter direito
Atividade assalariada prévia por um
período estipulado
Atividade assalariada prévia por um
período estipulado e renda
Valor da
indenização Baseado no salário recebido Prexado
Duração Variável a partir de 1982 de acordo
com o tempo de contribuição Limitada
Financiamento Mantido pelas cotizações patronais e
dos assalariados
Mantido pelos impostos arrecadados
pelo Estado
Quadro 1 – Regimes de indenizações destinadas aos
desempregados a partir de 1984
Fonte: Elaborado pela autora com base em Daniel e Tuchszirer (1999).
A ruptura que essas medidas aplicadas em 1982 e 1984 representaram
para o regime foi acompanhada mais tarde, em 1992, pela implantação da
Prestação Única Regressiva (AUD), que provocou o enrijecimento dos crité-
rios de acesso ao seguro-desemprego, a redução da sua duração e a regressão
do seu valor. Para se ter uma noção das alterações introduzidas em 1992, se
até então 6 meses de cotização realizada nos 12 meses anteriores à demissão
Desemprego, f‌lexibilização dos direitos trabalhistas e lutas sociais na França: a trajetória e os desaf‌ios do movimento social AC!|
Elaine Regina Aguiar Amorim
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asseguravam 15 ou 21 meses (variando de acordo com a idade) de recebimen-
to do benefício, com a nova reforma esta duração reduziu-se para 7 meses,
independente da idade. Se antes 14 meses de contribuição garantiam 30 me-
ses (2 anos e meio) de seguro, passaria a ter esse direito somente aqueles que
tivessem cotizado durante 24 meses (JOIN-LAMBERT, 1998). Além disso, a
redução gradativa do valor das prestações (antes xas) consistiu em descontos
aplicados a cada 4 meses de acordo com uma porcentagem que variava entre
8 a 25% (DANIEL; TUCHSZIRER, 1999, p. 303).
Uma das consequências do conjunto das restrições impostas foi justamen-
te a queda da porcentagem do número de desempregados indenizados, que
passou de 60% para 53%, entre os anos de 1985 e 1997 (TUCHSZIRER,
2004, p. 13). Com o objetivo de reduzir o número de beneciários e as presta-
ções asseguradas tais medidas seguiam na contramão dos princípios que nor-
tearam o funcionamento do regime até o nal dos anos de 1970, qual seja:
ampliar e garantir a proteção dos trabalhadores atingidos pelo desemprego.
Posteriormente as medidas implantadas seguiram orientações semelhan-
tes, mas no sentido de coagir os desempregados protegidos a procurar e a acei-
tar qualquer tipo de emprego, a m de que saíssem mais rápido do regime. A
reforma aprovada em 2000 visava, segundo Carole Tuchszirer (2004), tornar
o seguro-desemprego uma alavanca de política ativa de emprego conforme os
interesses do MEDEF (Movimento das Empresas da França) e as orientações
xadas pela Comissão Europeia. Na prática, entretanto, a reforma correspon-
deu a uma contra-ofensiva do patronato frente à regulamentação da redução
da jornada de trabalho para 35 horas semanais (GALVÃO, 2006) e permitiu
a imposição de trabalhos sob condições precárias aos beneciários, que passa-
ram a ser coagidos a aceitar qualquer emprego.
Uma das medidas aprovadas consistiu na introdução do PARE (Plano
de Ajuda de Retorno ao Emprego), pelo qual os desempregados passavam a
receber o seguro11 e “apoio” na sua busca por emprego, por meio do Projeto de
Ação Personalizada (PAP). Elaborado com base em uma entrevista individual
que buscava identicar as competências prossionais e as medidas necessárias
para a reinserção no mercado de trabalho (como cursos de requalicação) de
11 O PARE substituiu a Prestação Única Regressiva, instituída em 1992, pela Prestação de Ajuda de Retorno ao
Emprego (ARE), que eliminou a regressividade do valor do benefício e esteve em vigor até março de 2009.
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cada segurado, esse projeto era revisto de modo aprofundado após 6 meses e
ao completar 1 ano, caso o desempregado não tivesse conseguido encontrar
um emprego. Sob o risco da perda da indenização, o trabalhador era obriga-
do a comprovar mensalmente a sua busca efetiva por trabalho e não poderia
recusar-se a comparecer nas entrevistas. Consequentemente, aumentaram as
sanções contra aqueles que não comprovavam estar efetivamente empenhados
nessa busca, por exemplo, com suspensões temporárias ou denitivas do rece-
bimento da prestação do seguro.
Tais procedimentos corresponderam a uma certa inversão no acesso ao
seguro-desemprego enquanto um direito, pois se até então a condição de de-
sempregado e o tempo mínimo de cotização asseguravam o recebimento das
indenizações, a partir do PARE a garantia contínua destas passou a depender
do cumprimento de vários deveres. O histórico de trabalho anterior à de-
missão já não era suciente para o recebimento contínuo desse direito, pois
caberia ao trabalhador dar mostras de merecê-lo e da sua efetiva vontade de
querer reencontrar um emprego, caso contrário seria penalizado. Além dos
objetivos já apontados no que diz respeito à mudança de orientação na gestão
do regime do seguro-desemprego, essas sanções explicitavam uma visão do
desempregado como responsável e culpado pela sua situação (DETHYRE,
1999), como se o desemprego fosse um problema do indivíduo que onera o
Estado ao recorrer aos mecanismos de proteção social.
Sob a justicativa de contornar um décit previsto de 15 bilhões de euros
no regime indenizatório, a reforma aprovada em 2002 alterou profundamente
todos os parâmetros para a concessão do seguro: enrijeceu as condições de
acesso; reduziu a duração das indenizações; aumentou o valor das cotizações
pagas pelos empregadores e assalariados. Os mais atingidos foram os trabalha-
dores entre 50 e 55 anos (que passaram a receber a mesma indenização), e os
expostos a contratos temporários que deveriam comprovar 6 meses de coti-
zação (e não mais 4) para ter acesso ao seguro. Com essa redenição 300.000
mil pessoas perderam o direito à indenização (TUCHSZIRER, 2004, p. 19).
As mudanças no regime do seguro-desemprego tiveram continuidade nos
anos seguintes e podem ser observadas no Quadro 2, que apresenta as altera-
ções realizadas entre 2002 e 2006 relativas à duração do tempo de contribui-
ção e de indenização.
Desemprego, f‌lexibilização dos direitos trabalhistas e lutas sociais na França: a trajetória e os desaf‌ios do movimento social AC!|
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Pessoas em
qualquer
idade
Pessoas em
qualquer
idade
Pessoas em
qualquer
idade
Pessoas com
50 anos ou
mais
Pessoas com 57
anos ou mais
Regras válidas antes de 18 de janeiro de 2006
Duração do
tempo de
contribuição
(cotização)
6 meses
durante os
últimos 22
meses
14 meses
durante os
últimos 24
meses
_
27 meses
durante os
últimos 36
meses
27 meses durante
os últimos 36
meses e 100
trimestres
de seguro-
aposentadoria
Duração da
indenização
recebida
7 meses 23 meses _ 36 meses 42 meses
Regras válidas a partir de 18 de janeiro de 2006
Duração do
tempo de
contribuição
(cotização)
6 meses
durante os
últimos 22
meses
12 meses
durante os
últimos 20
meses
16 meses
durante os
últimos 26
meses
27 meses
durante os
últimos 36
meses
_
Duração da
indenização
recebida
7 meses 12 meses 23 meses 36 meses _
Quadro 2 As modalidades do seguro-desemprego
Fonte: CGT. Chômage et Indemnisation, tous vos droits,
Journal Vie Ouvrière, n.6, automne 2006, p.49. [Adaptado].
Percebe-se de um modo geral a diminuição da duração do benefício que
atingiu todas as modalidades, com exceção apenas dos liados ao sistema com
uma cotização mínima de 6 meses. Enquanto no regulamento anterior (2002)
era necessário contribuir 14 meses ao longo de 2 anos para obter uma indeni-
zação durante 23 meses (quase dois anos), no novo esta obtenção requeria que
os trabalhadores tivessem contribuído durante 16 meses no decorrer de 26
meses. Em contrapartida, com a criação de uma nova faixa de contribuição,
aqueles que tivessem cotizado por 12 meses nos últimos 20 meses que ante-
cedem o m do contrato de trabalho teriam direito ao seguro por 1 ano. Se a
lógica explícita dessas mudanças era, quanto maior o tempo de contribuição,
maior o de indenização, estava implícita a redução do direito, decorrente, por
exemplo, da extinção da especicidade destinada às pessoas com 57 anos ou
mais, cujas indenizações poderiam durar até 3 anos e meio.
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As alterações realizadas ao longo dos anos reduziram o caráter protecio-
nista do regime e dicultaram justamente o acesso dos trabalhadores mais
expostos aos riscos do mercado de trabalho, como é o caso daqueles submeti-
dos aos contratos com duração determinada (CDD) que apresentam maiores
diculdades para completar o período de cotização exigido e não gozam dos
mesmos direitos existentes nos contratos com duração indeterminada (CDI).
Esse quadro se agrava quando se observa que, a partir dos anos de 1980, a in-
trodução de novas modalidades de contratação na legislação trabalhista difun-
diu várias formas de trabalho: por exemplo, os trabalhos temporários (CDD,
“ínterim” – subcontratado através de agências – e contratos “subvenciona-
dos”) e em tempo parcial, designados como “atípicos” – por se diferenciarem
do que seria o “contrato típico” (CDI, em tempo integral, remuneração xa e
mensal) – ou “precários” – devido à precarização que caracteriza as suas rela-
ções e condições de trabalho.
Ao menos até 2008 a legislação garantia ao desempregado indenizado os
seguintes direitos (AC!, 2008):
35 dias de férias indenizadas: isso signica que o segurado não precisa-
va comparecer às convocações ou comprovar os procedimentos tomados
em busca de emprego durante as férias, mas deveria informar aos órgãos
responsáveis o período em que permaneceria ausente;
Licença-maternidade: no momento do nascimento o seguro-desempre-
go era suspenso e restabelecido após o término do benefício garantido
pela Seguridade Social durante a licença;
Despesas médicas e farmacêuticas: reembolso garantido pela Segurida-
de Social.
Em relação à prestação de solidariedade assegurada pelo Estado, com
o enrijecimento do acesso ao seguro e a maior diculdade de reinserção no
mercado de trabalho, ela passou a ser mais requisitada por se estender aos
trabalhadores que já haviam recebido todo o seguro-desemprego e pelos seus
critérios de acesso: ter trabalhado 5 anos ao longo dos últimos 10 anos prece-
dentes ao término do contrato e apresentar uma renda baixa (que, em 2008,
correspondia ao teto máximo de $1.031,80 euros para uma pessoa sozinha e
Desemprego, f‌lexibilização dos direitos trabalhistas e lutas sociais na França: a trajetória e os desaf‌ios do movimento social AC!|
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$1.621,40 euros para um casal) (AC!, 2008, p. 23). Mas as reformas realiza-
das ao longo das décadas estenderam-se igualmente a esse regime, já que das
duas indenizações que o integravam entre 1984 e 1992 – a Prestação de So-
lidariedade Especíca (ASS) e a Prestação de Inserção (AI) voltada aos jovens
em busca do primeiro emprego – apenas a ASS foi mantida com a reforma
realizada nesse último ano (1992).
A Prestação de Solidariedade Especíca (ASS) tinha uma duração de 6 me-
ses e poderia ser renovada por mais 3 meses até atingir 2 anos de recebimento;
para as pessoas acima de 55 anos sua duração mínima era de 1 ano, podendo
ser renovada até completar o tempo necessário para se aposentar (AC!, 2008). A
partir de 2004 houve também no caso dessa prestação uma maior exigência em
relação à comprovação da busca por emprego por parte dos beneciários com
menos de 55 anos (os demais estavam dispensados); procedimento que seguia
as orientações introduzidas na concessão do seguro-desemprego no sentido de
coagir os desempregados a saírem mais rápido do regime.
Porém, a qual indenização recorreria o desempregado que não preenches-
se as exigências de cada uma dessas prestações? A Renda Mínima de Inserção
(RMI), criada em 1988, com o objetivo de ser um benefício destinado às fa-
mílias com baixa renda, tornou-se uma espécie de terceira indenização para os
trabalhadores expostos a contratos com duração determinada e aos trabalhos
temporários, ou seja, expostos a contratos cuja natureza os impediam de com-
pletar o tempo necessário para se ter acesso a qualquer tipo de indenização
pautada em uma atividade assalariada prévia durante um período estipulado.
As motivações apresentadas originalmente na formulação da RMI eram,
conforme observam Daniel e Tuchszirer (1999), restringir as manifestações de
uma “pobreza estrutural” e não tomavam como referência o funcionamento
do mercado de trabalho tal como ocorria com as decisões referentes às inde-
nizações destinadas aos desempregados. Porém, em um prazo de 10 anos, a
RMI passou a se caracterizar para muitos trabalhadores como a “última mo-
dalidade de seguridade do regime de indenização do desemprego” (DANIEL;
TURCHSZIRER, 1998, p. 328), devido ao enrijecimento das condições de
acesso ao regime e a outras medidas que restringiram o seu caráter prote-
tor e provocaram o aumento do número de desempregados não indenizados.
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Em 2008, a RMI correspondia a um dos 6 “mínimos sociais” existentes e
destinava-se às pessoas com mais de 25 anos ou com lhos e com renda infe-
rior ao valor do benefício12.
A recorrência por parte dos desempregados à RMI não indica somente a
redução da cobertura do regime indenizatório, mas também a erosão dos me-
canismos de proteção social, já que a renda mínima tornou-se para uma par-
cela dos trabalhadores a substituta de um direito individual (e não familiar),
muito mais valorizado em termos monetário e social. Ao receber a RMI, o
desempregado francês passava a estar diante de um direito que traz embutido
vários estigmas, por inserir-se no âmbito da assistência, e a ter como institui-
ções administrativas de referência organismos sem relação com o universo do
emprego, por exemplo, os serviços sociais disponibilizados pelas prefeituras.
É possível perceber, com isso, como os efeitos da precarização do empre-
go e da instabilidade decorrente da situação de desemprego tornaram-se cada
vez menos atenuadas pelos órgãos responsáveis pela gestão do seguro e pelo
próprio Estado. A constatação de Daniel e Tuchzirer (1998, p. 29), feita no
nal da década de 1990, permanecia válida ao menos até 2008, período con-
templado por esta pesquisa13:
Hoje, longe de combater os efeitos da precarização do emprego, a UNEDIC parece, ao con-
trário, sustentar esse processo, participando por sua vez do esfacelamento do assalariado. À
diversif‌icação das formas de emprego corresponde uma diversif‌icação crescente das formas
de indenização dos desempregados, em que os mais expostos ao risco do desemprego
são igualmente aqueles que se vêem os piores indenizados... quando o são ainda. Do lado
do Estado, o regime de solidariedade se inscreveu também nessa tendência de redução
dos direitos e de reforço das condições de atividade requeridas para se benef‌iciar de uma
indenização.
Cabe aqui uma breve digressão: a deterioração das condições de acesso
aos mecanismos de proteção social que procuramos discutir ocorreu em uma
conjuntura na qual o desemprego se diversicou e os limites que o separam
dos trabalhos precários, difundidos nas últimas décadas, tornaram-se cada vez
mais tênues. Essa situação colocou desaos às organizações de desempregados
12 Em 2008 os valores da RMI para pessoas sozinhas e casais sem f‌ilhos correspondiam, respectivamente, a
$447,91 euros e $671,87 euros.
13 Em 2009 a RMI foi substituída pela Renda de Solidariedade Ativa (RSA).
Desemprego, f‌lexibilização dos direitos trabalhistas e lutas sociais na França: a trajetória e os desaf‌ios do movimento social AC!|
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e aos cientistas sociais relacionados à necessidade de reetir sobre a categoria
desemprego, as suas formas de manifestação e a sua relação com os processos
de precarização do emprego, que tornaram mais difícil e complexa a identi-
cação dos desempregados.
No campo das ciências sociais encontramos nos estudos de Nádia
Guimarães e Margaret Maruani reexões sobre as problemáticas apontadas.
Na linha da sociologia do desemprego, Guimarães (2009) discutiu o caráter pa-
radoxal que passou a estar presente na própria forma de denominar o fenômeno
do desemprego, uma vez que a identicação deste como uma situação transitó-
ria de privação involuntária de emprego, tal como foi denido em meados do
século XIX, passou a chocar-se com a inusitada permanência dessa situação, nos
países capitalistas centrais, a partir dos anos 70 do século passado. Desde essa dé-
cada, a subtilização do trabalho adquiriu novas formas de manifestação, não se
restringindo à forma clássica do desemprego aberto, mas expressando também a
transição à inatividade de indivíduos no auge da vida ativa, às formas precárias
de trabalho e ao “desemprego de longa duração” – uma das categorias sociais
constituída para qualicar as novas características do fenômeno.
Outro traço que passou a caracterizar a organização do mercado de traba-
lho discutido pela autora foi a recorrência ao desemprego:
A saída da condição de desemprego já não se faz pela via da obtenção de uma ocupação es-
tável. Ao contrário, os que passam pelo desemprego, quando logram sair dele, apresentam
uma tendência à fragilização dos vínculos subsequentes de trabalho, que os faz candidatos
potenciais a novas situações de perda de trabalho. Constitui-se uma nova f‌igura, a do de-
semprego recorrente (GUIMARÃES, 2009, p. 45).
Embora em sua pesquisa sobre a trajetória dos desempregados franceses,
durante os anos de 1995 a 1998, Guimarães (2009, p.48) tenha constata-
do a partir da análise de 1.624 casos que, em Paris, o desemprego de longa
duração era a gura predominante nos percursos individuais, representando
30,7% dos casos, não deixa de ser destacável e reveladora dessa tendência à
fragilização dos futuros vínculos de trabalho, que a saída do desemprego pela
obtenção de um contrato de duração determinada correspondia à realidade
da minoria dos desempregados analisados (16,3%); uma parte signicativa, 4
em cada 6 pessoas, conseguia ter acesso apenas a formas de trabalho precárias.
Tal tendência pode ser também observada nos dados apresentados por
Margaret Maruani (2002, p. 83): em 2001, o término dos contratos temporários
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representava a principal causa da entrada no desemprego (40%) em contrapo-
sição às demissões (25%). Para essa autora, os empregos precários tornaram-se
um momento prévio à aquisição de uma contratação estável, assim como um
“prelúdio ao desemprego”; a instabilidade presente nessas duas circunstâncias
seria o que os “assimilam à precarização” e os “aproximam do desemprego”.
Em seu estudo Maruani analisou as “fronteiras do desemprego”, nas quais
se encontram diferentes formas de “não emprego”, como é o caso dos em-
pregos precários (subemprego) e da inatividade forçada. Essas formas corres-
pondem a situações intermediárias que circundam o desemprego, mas que
tampouco apareciam no debate político e social por não se enquadrarem nas
denições ociais de desemprego. No entanto, desprovidas de qualquer neu-
tralidade, essas denições permitiam uma triagem política e social daqueles
que tinham ou não direito ao estatuto de desempregado e às indenizações que
lhe correspondiam. De acordo com a explicação da autora (2002, p. 16):
Ser desempregado não é somente estar privado involuntariamente de um emprego. Não é
unicamente estar à procura de um trabalho remunerado. É ser reconhecido como legítimo
nessa busca. As condições de indenização e de inscrição no desemprego fazem balizar as
fronteiras desta legitimidade. Elas assinalam e institucionalizam os limites do direito ao
desemprego que pode existir somente se há um direito ao emprego.
Não por acaso, no início da década passada, mais da metade das pesso-
as sem emprego eram desconsideradas pelas estatísticas francesas como legí-
timas desempregadas por não atenderem a todas as condições que permiti-
riam classicá-las desse modo14. Elas compunham o que Maruani chama de
14 Maruani (2002) critica a mensuração do desemprego na França devido às disparidades entre os resultados
obtidos pelos órgãos BIT (Bureau International Du Travail), ANPE e INSEE (Institut National de la Statistique
et des Études Économiques), que adotam metodologias e critérios distintos na def‌inição do desemprego: para
o BIT, cujos levantamentos são realizados pelo INSEE anualmente e tomados como parâmetro para as com-
parações internacionais, a sua def‌inição compreende as pessoas sem emprego, que não tenham trabalhado o
período de referência (semana anterior), estejam disponíveis para começar a trabalhar e ativamente à procura
de um trabalho. A mensuração da ANPE é realizada todos os meses com base no número de pessoas que se
inscrevem na sua lista à procura de emprego. Estas pessoas, denominadas como “demandantes de emprego
no f‌im do mês” (DEFM) são classif‌icadas de acordo com 8 categorias diferentes. A categoria 1 refere-se exclu-
sivamente aos indivíduos considerados em situação de desemprego, por atenderem os seguintes critérios: não
ter emprego (mas pode ter realizado uma atividade durante o mês de até 78 horas); estar em busca de um
emprego em tempo integral e com contrato de duração indeterminada (CDI); e estar imediatamente disponível
para trabalhar. Aqueles que não preenchem um desses critérios ou mais são classif‌icados nas categorias 2 a 8
e não def‌inidos como desempregados. Embora esses sejam os dois principais levantamentos tomados como re-
ferência no país, o INSEE realiza também, a cada sete anos, uma mensuração baseada no censo populacional,
Desemprego, f‌lexibilização dos direitos trabalhistas e lutas sociais na França: a trajetória e os desaf‌ios do movimento social AC!|
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“desempregados da sombra”, pois cavam de fora do que poderia ser consi-
derado o “núcleo duro” do desemprego. Porém, em um contexto de crise do
emprego e de difusão de formas de trabalho precárias, como denir o desem-
prego? Este não é, segundo a autora, um dado evidente, objetivo e estável. Ele
é, ao contrário, uma construção social movediça, cuja denição está enqua-
drada em certas condições e prescrições que revelam uma opção política; além
disso, ele é uma “categoria estatística politicamente perigosa” (MARUANI,
2002, p. 17-18).
As análises de Maruani revelam, desse modo, as diculdades para mensu-
rar o desemprego contemporâneo a partir de denições que não conseguem
captar a sua atual heterogeneidade15, como é o caso da situação das pessoas que
se encontram justamente nas fronteiras16.
No bojo dessa discussão é necessário compreendermos que as diferentes
formas que o desemprego pode assumir estão relacionadas com o movimento
dinâmico de valorização e acumulação do capital. Movimento que envolve a
redenição da organização do trabalho no sentido de inaugurar ou intensicar
as formas de exploração da força de trabalho. Nesse sentido, o desemprego assim
como as formas de subemprego atende a determinados interesses de classe.
Para além da redução dos custos obtida por meio da precarização dos
contratos e relações de trabalho, a instabilidade característica dos trabalhos
no qual é considerado em situação de desemprego todo indivíduo que se declare espontaneamente, sem que
necessite declarar sua disponibilidade imediata para o trabalho ou sua procura por emprego.
15 Fabiane Jardim (2005) discute as perspectivas e os limites da categoria desemprego para a compreensão do
mercado de trabalho brasileiro, com base no “desemprego oculto por desalento”. Essa categoria foi introduzida
no Brasil pela PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego) com o objetivo de mensurar situações de trabalho e
desemprego não diagnosticadas pelas categorias relativas à taxa de desemprego aberto, como também para
identif‌icar a precariedade e as dif‌iculdades relativas ao trabalho (JARDIM, 2005). Ela compreende os indi-
víduos sem trabalho há mais de 12 meses, que estejam disponíveis para trabalhar e não tenham procurado
emprego nos últimos 30 dias, ainda que tenham realizado essa busca por pelo menos 15 dias nos últimos
12 meses. A autora coloca várias questões interessantes relativas aos limites do conceito “desemprego” para
o entendimento das transformações ocorridas no mercado de trabalho. No que diz respeito ao desemprego
oculto pelo desalento, essa categoria demonstra a insuf‌iciência de um dos critérios-chave para def‌inir alguém
como desempregado, que é o da procura por um novo posto de trabalho. Isto se deve, segundo o estudo de
Jardim (2005, p.76), ao fato de que especialmente mulheres e jovens acabam f‌icando “fora da conta”.
16 Dif‌iculdades que estão associadas à presença cada vez maior das mulheres nessas situações fronteiriças. De
acordo com Maruani (2002, p.29), “[...] a seletividade do desemprego reativa as desigualdades sociais mais
clássicas – o sexo, as classes sociais, a nacionalidade –”, por isso a existência de certos níveis de tolerância
social em relação ao desemprego que se baseiam em critérios sociais implícitos e variam de acordo com o
“sexo” atingido. Para a autora, a feminização das margens do desemprego contribui para a sua própria invisi-
bilidade, uma vez que este é socialmente mais tolerável quando são as mulheres as principais acometidas.
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precários dicultou a organização política e sindical dos trabalhadores sujei-
tos, recorrentemente, à passagem de um trabalho precário a outro (inclusive
em diferentes ramos de atividade) ou ao desemprego.
Por isso, se na origem da AC! o desemprego em massa e de longa duração
era apontado como o principal problema a ser enfrentado no mercado de
trabalho, posteriormente a luta contra a precarização do emprego seria tam-
bém incorporada na agenda política da organização. Nas palavras de Évelyne
Perrin (2001, p.40): “a fronteira entre desempregados e precários é porosa,
isto porque muitos desempregados têm encontrado um emprego, porém pre-
cário, e porque um precário é um desempregado intermitente que pode ser
considerado em situação de subemprego”.
Por último, cabe lembrar que as mudanças realizadas no sistema de
proteção social francês, especialmente a partir dos anos de 1990, ocorreram
em um contexto caracterizado pela redenição das estratégias políticas da
CGT e CFDT e contou com o apoio desta última; a despeito da oposição
das demais confederações, a CFDT assinou no interior da UNEDIC vários
acordos propostos pelos representantes patronais em relação às regras do
seguro-desemprego. Se a crise sindical levou a CGT a iniciar o seu distan-
ciamento do Partido Comunista Francês (PCF) (BÉROUD, 2007) a m de
amenizar a imagem radical à qual a confederação era associada (GALVÃO,
2001), a CFDT priorizou a negociação com o patronato, tornando-se, na
denição de Perrin (2005), uma “aliada objetiva do MEDEF”.
A política radical de “recentragem” operada pela CFDT em nome de um
“reformismo modernista” (GALVÃO, 2001) ou de uma autonomia “pragmá-
tica” (BÉROUD, 2007) a conduziu a apoiar reformas lançadas por governos
de direita e posicionamentos do MEDEF (como a aprovação do PARE – Pla-
no de Ajuda de Retorno ao Emprego), entre outras ações. Posicionamentos
políticos deste tipo acirraram a divisão no interior do movimento sindical
como contribuiu para que os desempregados passassem a identicar a CFDT
como participante da ofensiva neoliberal contra os seus direitos (PERRIN,
2005) e, poderíamos acrescentar, para distanciar esses trabalhadores das orga-
nizações sindicais.
Chama a atenção que, enquanto em 1974 a CGT e a CFDT defendiam
que os desempregados deveriam receber como seguro 90% do seu antigo salário
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e nunca menos que o salário mínimo (SMIC – Salaire minimum interprofes-
sionnel de croissance), posteriormente reivindicações desse tipo perderam o seu
peso frente a outras propostas (MEZZI, 1998). Conforme esclarece Claire
Villiers, fundadora da AC!: “O fato de que, depois, o movimento operário
não tenha mais considerado que a indenização do desemprego deveria estar
nas plataformas dos assalariados, parte integrante da proteção social, é uma
fragilidade” (MEZZI, 1998, p.39). Fragilidade acentuada ainda mais quando
se observa que a partir dos anos 2000 a aplicação das políticas neoliberais no
país intensicou-se. Segundo o depoimento de Michel Rousseau:
A concretização do neoliberalismo no que concerne à questão do emprego e do desempre-
go foi o famoso “Sommet de Lisbonne” (Cúpula de Lisboa) em 2000, quando lançaram o que
nós chamamos de Processo de Lisboa (...); [que] é um programa europeu sobre a questão
do emprego, referente a todas as classes da população (jovens, idosos, mulheres, etc.), (...)
com o objetivo de ter até 2010 uma economia competitiva e de conhecimento para toda
União Europeia. É um grande projeto. A única questão é que quando você vê as medidas,
trata-se do projeto neoliberal para a União Europeia no que concerne ao mundo do traba-
lho. Nós fazemos um jogo de palavras: eles prometeram a economia do conhecimento e o
que nós conhecemos é a generalização da precarização (Michel Rousseau, AC!, 30/06/09).
Passados mais de dez anos do Sommet de Lisbonne, a precarização das
condições e relações de trabalho, a exibilização dos direitos trabalhistas e
a alarmante diminuição do emprego caracterizam o cenário social atual da
Irlanda, Portugal, Grécia, Espanha e Itália. Realidade também presente na
França, embora em condições distintas das existentes nesses países, contra
a qual as lutas sociais contra o desemprego e pela preservação dos direitos
dos desempregados continuam na ordem do dia. Daí a importância cada vez
maior da luta pela preservação das indenizações destinadas aos desemprega-
dos, encampada, sobretudo, pelas organizações formadas com o objetivo de
representá-los.
4. Redef‌inições reivindicativas e os desaf‌ios da
mobilização no interior da AC!
À luz das análises realizadas até aqui retomamos a discussão sobre as rede-
nições reivindicativas da organização estudada. Frente às alterações provoca-
das no tratamento social do desemprego, a defesa pela melhoria e preservação
dos mecanismos de proteção social dos desempregados tornou-se uma das
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principais reivindicações da AC!. Porém, o redirecionamento das demandas
resultou não somente da exibilização dos regimes indenizatórios, mas tam-
bém das mudanças na composição social da organização decorrentes da entra-
da de trabalhadores sem emprego e com pers distintos.
Se inicialmente os desempregados que compuseram a base social da AC!
a conheceram por meio de redes políticas, sindicais ou associativas e conta-
vam com a cobertura do regime de seguro-desemprego, ao longo dos anos
aumentou a participação de indivíduos sem experiência de militância, ori-
ginários dos setores populares e beneciários da Renda Mínima de Inserção
(COHEN, 2009). Conforme o depoimento de Michel Rousseau:
[...] Na AC!, após o primeiro período, não haviam mais pessoas recebendo o seguro-desem-
prego, haviam pessoas que já tinham perdido o seguro, que estavam nos “mínimos sociais”
e tinham poucas chances de encontrar um trabalho... é o que nós chamamos na França de
RMI. [...] Por isso, a base social da AC! e não só da AC!, mas da maior parte das organiza-
ções de desempregados mudou, porque não se trata mais de desempregados indenizados
pelo seguro, mas se trata de precarizados, pagos pela solidariedade social. [...] Não somos
mais um trabalhador que perdeu o seu emprego, nós somos um pobre que depende da
caridade [...] (Michel Rousseau, AC!).
A renda passou a ser reivindicada como uma obrigatoriedade a ser assegu-
rada às pessoas independentemente desta ter ou não um emprego. Ao aposen-
tado o direito à aposentadoria, ao assalariado o salário e ao desempregado uma
renda mínima, equiparável ao valor do salário mínimo (SMIC)17. Ao propor
esta equivalência a AC! visava tornar o desemprego mais caro, impedindo a
precarização das condições de vida dos desempregados, bem como colocar o
salário no centro do debate e em função das necessidades de sobrevivência dos
trabalhadores (MEZZI, 1998).
A proposta da renda como uma bandeira de luta foi introduzida na AC!
pelo CARGO (Coletivo de Agitação Pela Renda Garantida Excelente), um
grupo de militantes inuenciados pelo anarquismo e correntes de extrema
esquerda, atuante no interior da associação. Para esse grupo, dissolvido em
17 Os debates relacionados à reivindicação de uma renda ocorreram no f‌inal da década de 1990 nas outras
organizações de desempregados, que defendiam como mínimo os seguintes valores: $4.000 francos (APEIS),
75% do SMIC (MNCP), 80% do SMIC (Comitê de Desempregados CGT). Em 2001, a AC!, a APEIS e o MNCP
defenderam conjuntamente o valor integral do SMIC como renda mínima (AC!, APEIS, MNCP, 2001).
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dezembro de 2002, não se tratava de defender uma renda cidadã, mas sim
um “salário social” desconectado do exercício de uma atividade assalariada e
que respondesse às transformações desencadeadas no padrão produtivo (CO-
HEN, 2008). Foram intensos os embates internos a respeito do que se com-
preendia como uma renda e mesmo sobre a sua preponderância frente à luta
contra o desemprego defendida pelos sindicalistas atuantes na AC!. Como
esclarece Évelyne Perrin:
Houve conf‌litos muito violentos entre os sindicalistas e esse grupo que se chama CARGO.
Depois se encontrou um equilíbrio entre duas reivindicações centrais: direito a um emprego,
direito a uma renda. Com esse slogan “um emprego é um direito, uma renda é um dever”,
se alcançou a unidade, [enquanto] a redução do tempo de trabalho passou um pouco para
o segundo plano18 (Évelyne Perrin, liderança da AC!, 04/06/09).
O momento de maior expressão das lutas dos desempregados ocorreu
no inverno de 1997-1998, quando a AC!, APEIS, MNCP e os comitês de
desempregados da CGT mobilizaram-se conjuntamente, atraindo a opinião
pública para as suas reivindicações, entre as quais se destacavam: a fusão entre
o seguro convencional e as prestações de solidariedade, separados em 1984; o
aumento do valor dos “mínimos sociais” (especialmente da RMI); e, sobretu-
do, a reativação do Fundo Especial que consistia em um subsídio concedido
aos desempregados em situações emergenciais.
O governo, ao cabo de várias semanas de manifestações e ocupações de
prédios públicos, criou um novo fundo de urgência social, destinando-lhe um
bilhão de francos (aproximadamente 150 milhões de euros), porém manteve
a separação entre o seguro-desemprego e a prestação de solidariedade, como
recusou aumentar o valor dos “mínimos sociais”. Essa recusa impactou negati-
vamente os movimentos que, nos anos posteriores, sofreram um signicativo
recuo.
Na década de 2000 comitês locais da AC! enfrentaram um esvaziamento
e outras diculdades relacionadas com o envelhecimento dos seus membros
e com a incapacidade de atrair para a sua base um dos setores mais atingidos
pelo desemprego e pelas formas precárias de trabalho: os jovens. A ausência
18 A redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais, uma das plataformas reivindicativas da AC!,
entrou em vigor na França em 1999.
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de uma militância juvenil não é um problema especíco da AC!, se conside-
rarmos, com base nas análises de Michel Vakaloulis (2012), a baixa adesão
sindical da jovem geração de assalariados franceses, o peso que o desemprego
em massa exerce sobre essa não disposição para o engajamento, como também
o fato de que a reduzida adesão na França não é um fenômeno recente e muito
menos própria dos jovens. De todo modo, os jovens aspirantes ao mercado
de trabalho parecem não estar expostos, ao menos da mesma maneira que
os assalariados, ao que Vakaloulis denomina como “paradoxo da proteção-
exposição”, no qual a militância pode se tornar um risco individual devido ao
próprio engajamento.
Ainda assim várias perguntas poderiam ser feitas: os jovens, ao contrário
dos demais desempregados, tenderiam a considerar a sua situação de desem-
prego como uma situação transitória e, por isso, não se motivariam a engajar-se
em uma luta com a qual não se identicam? Eles tenderiam a incorporar com
mais facilidade a responsabilidade pela sua “empregabilidade” e pela busca de
mecanismos que os tornem ainda mais qualicados e atrativos para os em-
pregadores? O apoio nanceiro familiar ou a possibilidade de prolongar os
estudos eliminariam a predisposição para a luta? Ou ainda: em que medida
nas formas de ação, nos métodos de luta, nos projetos e reivindicações apre-
sentados pela AC! aparecem elementos de reconhecimento dos problemas e
necessidades dos jovens desempregados?
Entretanto, os desaos relacionados à mobilização e ao engajamento en-
frentados pela AC! não se limitavam ao público jovem, como observamos nas
reuniões, assembleias e visitas feitas aos comitês locais, mas se estendiam aos
demais desempregados. Em certa medida, a principal forma de aproximação
e interlocução com esses trabalhadores baseavam-se nos plantões que consis-
tiam em assessorá-los e esclarecê-los sobre os direitos que possuem. Segundo os
depoimentos coletados, os trabalhadores procuravam a organização quando
não tinham mais a quem recorrer, alguns a viam como um órgão prestador de
serviços e a procuravam exclusivamente para resolver um “problema individual”
(Michel Rousseau, AC!), sem a perspectiva de uma mobilização coletiva.
Explicitada também por estudos recentes sobre a AC! (COHEN, 2008),
a identicação dessa e outras associações como “agências de serviços” eviden-
cia os limites dos plantões e das implicações desta forma de organização para
o engajamento dos desempregados. Especialmente entre os beneciários da
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RMI a busca pela organização é motivada pela necessidade de encontrar “[...]
meios de agir contra o seu desemprego e não contra o desemprego e tampou-
co identicam a AC! como uma organização reivindicativa e contestadora,
mas como uma associação que poderá, talvez, ajudá-los” (COHEN, 2009,
p. 4, grifos da autora). Percebe-se que nesses casos a adesão pode ser passagei-
ra, dicultando a projeção de lutas não pontuais e a elaboração de projetos
políticos.
Conforme observarmos durante a realização da pesquisa, a ausência de
um trabalho de base, envolvendo a politização e conscientização dos desem-
pregados e trabalhadores precarizados, parecia ser, ao menos na região pari-
siense, um problema existente no movimento e que limitava o avanço das suas
lutas. É certo, contudo, que apesar do seu esvaziamento a AC! se constituía
como uma referência importante dentre as associações de desempregados e
procurava articular-se com outras organizações, seja em mobilizações, seja na
realização de encontros para discutir questões relativas ao desemprego, à pre-
carização e à exibilização dos direitos trabalhistas.
5. Considerações f‌inais
Uma das particularidades da atual fase do capitalismo caracterizada pelo
modelo político-econômico neoliberal refere-se à emergência de organizações
de desempregados em vários países. Nesse sentido, a novidade da AC! em re-
lação a outros movimentos de desempregados franceses surgidos nas últimas
décadas reside nas especicidades da sua formação: originou-se a partir da
articulação de sindicalistas críticos ao recuo político-ideológico do sindica-
lismo francês, tendo como plataforma reivindicativa a redução da jornada
de trabalho e a repartição das riquezas, além de se constituir, originalmente,
muito mais como um movimento contra o desemprego.
A trajetória da organização, desde a sua origem, não foi linear. O engaja-
mento de desempregados nos comitês locais, os posicionamentos divergentes
entre esses militantes e sindicalistas, a ofensiva contra o sistema de proteção
social voltado para os trabalhadores demitidos, contribuíram para a redeni-
ção das suas ações e reivindicações ao longo dos anos. A luta por uma renda
e pela preservação do regime do seguro-desemprego e das prestações sociais
ganhou, cada vez mais, maior destaque. Ao analisarmos o nível de proteção
social formulado no pós-guerra para os desempregados e como ele passou a
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ser alvo de ataque, compreendemos a importância da sua defesa e inclusão na
pauta reivindicativa da AC!
Em contrapartida, a capacidade de mobilização expressa pela AC! nos anos
90 do século XX recuou na década seguinte com o esvaziamento dos seus nú-
cleos. Para além dos problemas e desaos enfrentados pela organização que já
foram apontados, encontra-se provavelmente a diculdade de identicar atu-
almente quem é o desempregado. É tênue a linha que separa o desempregado
dos trabalhadores submetidos aos contratos de trabalho precários, cada vez mais
difundidos, inclusive sob a justicativa de gerar empregos. Diculdade que se
agrava ainda mais frente ao envelhecimento da base social, à ausência de novos
militantes e à identicação da organização, por parte dos desempregados, como
uma prestadora de serviços e não como um movimento social.
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Recebido em: 27/04/2012
Aprovado em: 03/12/2012
Unemployment, f‌lexibility of labor rights and social struggles:
the trajectory and the challenges of social movement AC!
Abstract
This article aims to discuss, f‌irstly, the trajectory of social movement AC! (Acting together against
unemployment!), which had an important role, since 1993, in the struggle against unemployment in
France, and to discuss, secondly, the reforms of social protection system of the French unemployed.
It is intended to analyze the particularities of formation of this organization, the changes in their
demands caused by transformations in the social base and in the rights of the unemployed, as well
Desemprego, f‌lexibilização dos direitos trabalhistas e lutas sociais na França: a trajetória e os desaf‌ios do movimento social AC!|
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as analyze their challenges that it had from the year 2000 due to the reduction of its militants. The
analysis extends to the year 2008, it’s based on empirical research conducted in Paris and that used
the following methodology: bibliographical and documentary research, qualitative interviews with the
leaders and participant observation in various activities (assemblies, reunions, mobilizations).
Keywords: Mobilization of the unemployed. Unemployment. Neoliberalism. Social struggles.
Flexibility of labor rights.

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