Democracia e serviços públicos - a proteção do usuário e a cobrança da tarifa referente à assinatura básica em telefonia fixa

AutorFabiana Silveira Karam
CargoJuíza de Direito dos Juizados Especiais-Curitiba
Páginas1-12

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A telefonia1 em nosso país participou do contexto da privatização de modo especial.

Eduardo Appio observa que a telefonia no Brasil passou, a partir do ano de 1997, por um intenso processo de privatização, correspondendo a 44 % das receitas obtidas pelo governo federal em todo o processo de privatizações iniciado em 19952.

A tal propósito, abordaremos a seguir tema extremamente controvertido, qual seja o da legalidade da cobrança da tarifa denominada assinatura mensal básica.

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É de conhecimento público a cobrança deste tipo de tarifa ou preço público nos contratos de prestação de serviço de telefonia fixa, residencial ou não residencial.

Também não é novidade que os consumidores estão cada vez mais se insurgindo com relação a tal exigência, que vem sendo taxada de ilegal.

O que mais interessa ao presente estudo é examinar se a instituição de tarifa referente à cobrança de assinatura básica mensal estaria dentro das atribuições das Agências reguladoras, e, em um segundo momento, examinar a correlata legislação a fim de perquirir se está revestida das formalidades legais.

Preliminarmente, analisemos rapidamente a questão da competência para dirimir os conflitos envolvendo a referida cobrança.

A competência é a divisão racional do trabalho, delimitando o espaço de atuação de cada magistrado. Tem como função precípua a melhor organização do poder jurisdicional do Estado, com vistas a facilitar a sua otimização.

A Constituição Federal é o ato inaugural do Estado. É ela que determina a competência do nosso ordenamento jurídico. Podem-se ter vários critérios para se dividir a competência, mas os três básicos são em razão da matéria, do lugar e da pessoa, sendo este último que prepondera na Justiça Federal para definição de sua competência.

A competência da Justiça Federal está taxativamente prevista na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 109, verbis:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e às sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

(...)

Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal editou o seguinte verbete sumular a respeito da matéria:

Súmula 511. Compete à Justiça Federal, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas entre autarquias federais e entidades públicas locais, inclusive mandados dePage 3 segurança, ressalvada a ação fiscal, nos termos da Constituição Federal de 1967, art. 119, § 3.º.

No mesmo sentido, sumulou o Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 150. Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas.

É preciso registrar, ainda, que a Jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, em se tratando de relação jurídica instaurada em ação entre a empresa concessionária de serviço público federal e o usuário, não há interesse na lide do poder concedente, no caso, a União. Vejam-se, por todos, os seguintes julgados:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ASSINATURA BÁSICA RESIDENCIAL. AÇÃO DECLARATÓ-RIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. TELEMAR S/A EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO OU QUAISQUER DOS ENTES ELENCADOS NO ART. 109 DA CF/88. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

  1. Ação proposta em face de empresa concessionária de telefonia objetivando o reconhecimento da ilegalidade da "Assinatura Básica Residencial", bem como a devolução dos valores pagos desde o início da prestação dos serviços.

  2. Deveras, tratando-se de relação jurídica instaurada em ação entre a empresa concessionária de serviço público federal e o usuário, não há interesse na lide do poder concedente, no caso, a União, falecendo, a fortiori, competência à Justiça Federal. (precedentes: CC 48.221 - SC, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, 1ª Seção, DJ de 17 de outubro de 2005; CC 47.032 - SC, desta relatoria, 1ª Seção, DJ de 16 de maio de 2005; CC 52575 - PB, Relatora Ministra ELIANA CALMON, 1ª Seção DJ de 12 de dezembro de 2005; CC 47.016 - SC, Relator Ministro CASTRO MEIRA, 1ª Seção, DJ de 18 de abril de 2005).

  3. Como bem destacou o Juízo Federal: "Na verdade, o que define a competência cível da Justiça Federal, nos processos ordinários, não é a matéria em si, mas as pessoas que integram a relação processual, conforme o que disciplina a Constituição Federal, em seu art. 109. E as pessoas devem integrar ou não a relação processual na medida em que as relações postas em juízo sejam por elas titularizadas. A relação processual ora analisada diz respeito unicamente ao usuário e à empresa concessionária. Quem realiza a cobrança de assinatura mensal é empresa concessionária e não a ANATEL. Vale enfatizar: o ato ora questionado foi praticado com base no contrato concreto e específico firmado entre o assinante e a concessionária. Por mais que a ANATEL permita esse tipo de ato, por meio, inclusive, da normas abstratas, essa permissão abstrata não causa nenhum assinante. Só quando ela se transforma em exigência concreta, concessionária, fundada no contrato assinanteconcessionária, desencadeia o interesse do assinante em ver suspensa à cobrança. Edição de prejuízo ao por parte da é que ela. A relação de concessão, estabelecida entre União/ANATEL (poder concedente) e a concessionária (no caso, Telemar) não está em causa. O que se discute aqui é unicamente a relação contratual entre usuário e empresa fornecedora do serviço. Também não está em causa o poder de fiscalização da ANATEL. Aliás, se for bem observado o pedido, verificar-se á que não há qualquer pretensão formulada contra a ANATEL. Mesmo que a ANATEL venha a dizer que tem interesse na causa, como assistente litisconsorcial, isso, por si só, não te ia a força de mudar a competência para aPage 4 Justiça Federal. É que a assistência processual desacompanhada de efetivo interesse jurídico (como a que decorreria automaticamente da Lei 9.469/97, art. 5°), não autoriza deslocamento da competência. Ou seja, mesmo que a ANATEL viesse aos autos espontaneamente, pretendendo assistir a concessionária, essa assistência, mesmo que admitida, não implicaria competência da Justiça Federal, salvo se configurado seu efetivo interesse jurídico, que só ocorre quando alguma relação jurídica de que ela seja parte sofra conseqüências da decisão judicial, o que certamente não é...

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