Uma experiência etnográfica no tribunal de justiça do Estado do Rio de Janeiro

AutorJohann Meerbaum
Ocupação do AutorAluno do terceiro período do curso de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro
Páginas191-207
UMA EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
JOHANN MEERBAUM1
Introdução e pré-concepções:
Proponho-me através deste artigo conciliar três experiências que a meu ver se
encaixam perfeitamente: a vivência de uma tarde observando os pro ssionais do
direito no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; os textos de Antoine
Garapon, Bourdieu e Durkheim e, por  m, o conteúdo apreendido nas aulas de
Sociologia das Instituições Jurídicas, ministradas pelo professor Fernando Fon-
tainha. Dessa forma, inicio o trabalho descrevendo algumas pré— concepções
acerca de minha experiência etnográ ca, pois somente assim acredito ser possí-
vel realizar um confronto sincero entre as expectativas que tinha antes de aden-
trar o tribunal e minha percepção posterior do funcionamento deste ambiente.
Tudo que é sólido se desmancha no ar — e eu certamente sabia que o mesmo
aconteceria com minhas pré-concepções a respeito da atividade de um juiz no
mundo concreto. Uma vez confrontadas com a realidade, elas se dissipariam, des-
pertando-me de um sonho de princípios para uma realidade dura e burocrática.
Pego um taxi em direção ao centro por volta das 12:15 h e, no caminho do Tribu-
nal de Justiça do Rio de Janeiro, onde assistirei uma tarde de audiências da 3a vara
da Fazenda Pública, tento prever com qual realidade irei me deparar durante essa
tarde. Apesar de não ter uma visão romantizada da atuação dos pro ssionais do
direito no mundo concreto, não me passa outra coisa pela cabeça senão um juiz
com vestimentas pomposas, sentado em uma cadeira com ar sério e respeitoso.
Corredores lotados e pessoas apressadas irão preencher o meu campo de visão.
Entrarei numa pequena sala, simples e com um ar pesado, em que provavelmente
se encontrarão algumas pessoas para assistir o julgamento. Passados alguns minu-
tos, o juiz entrará e todos se levantarão. Sessões rápidas e burocráticas preencherão
minha tarde. Os espectadores que assistem ao julgamento na minha imaginação
têm os semblantes sérios e atentos — a burocracia e seriedade ocupam o local com-
pletamente, de forma que risadas e conversas paralelas não conseguem ali penetrar.
1 Aluno do terceiro período do curso de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro. Trabalho
entregue para a disciplina “Sociologia das Instituições Jurídicas”.
192 CADERNOS DE DIREITO 2012
Descrição do ambiente:
Chego ao TJRJ — trata-se de um largo edifício de fachada marrom. Subo al-
guns degraus em direção à entrada principal e prontamente me deparo com
um detector de metais. Coloco minha mochila na esteira do detector e meu
laptop na mesinha ao lado. Depois passo pelo detector maior. A máquina não
emite som algum; entretanto, um guarda, que se encontra imóvel em frente
ao aparelho, pede educadamente que eu abra a capa de meu laptop. Assim o
faço, perguntando-me o que mais poderia estar dentro do aparelho — qual a
necessidade de tanto alarde? Todavia, mal começo a abrir a capa e o segurança
me autoriza a entrar.
Logo na entrada se encontra um balcão de informações. Meio desajeita-
do, eu abro a carteira e busco um guardanapo onde anotei as informações da
sala exata em que as audiências irão acontecer — 4o andar, 3a Vara da Fazenda
Pública; leio em voz alta para a moça que se encontra atrás do balcão. Ela me-
canicamente responde — direita até o  nal, direita de novo até o  nal, lá está
o elevador. Sigo as instruções e começo a adentrar o Tribunal, tentando prestar
atenção ao máximo em todos os detalhes.
O térreo encontra-se realmente bastante movimentado. Trata-se de um
longo corredor com  leiras de cadeiras de ambos os lados — todas elas estão
lotadas. As pessoas conversam em voz alta umas com as outras com certo ar de
descontração, desde as salas de audiências até os corredores — o que me deixa
de certa forma intrigado, uma vez que esperava encontrar um ambiente mais sé-
rio e melancólico. Elas passam apressadas de um lado para o outro, não se cum-
primentado e nem mesmo trocando olhares. O  uxo é intenso em ambos os
sentidos, de forma que esbarrões e desvios corporais de última hora se mostram
necessários. As vestimentas são as mais diversas possíveis: alguns vestem bons
ternos enquanto outros usam ternos surrados e claramente fora da medida; uns
usam camisa social e sapato ao passo que outros portam camisa simples e tênis
esportivo. Através das vestimentas procuro deduzir quais são os papéis daquelas
pessoas que ali se encontram: quem é o advogado e quem são as partes? Quem
são os réus e os autores?
Percorrendo o caminho até o elevador, vejo que as paredes são de um már-
more branco um tanto quanto encardido, enquanto o chão é preto e liso, com
algumas manchas brancas. A música do sistema interno toca ao fundo, ten-
tando vencer a confusão das vozes que deixam o lugar com clima pesado. Faz
muito calor a esta hora do dia, contudo as pessoas parecem não se importar —
elas vão e vêm com bastante  rmeza e naturalidade, como se já  zessem parte
daquele lugar e soubessem exatamente aonde deveriam ir.

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