“Decent work” da oit no direito internacional do trabalho em busca da globalização socialmente inclusiva

AutorMara Darcanchy
CargoPós-Doutora (UniPg/IT), Doutora (PUC/SP) e Mestre em Direito (PUC/SP) com bolsas integrais CAPES e CNPq
Considerações iniciais

Diante dos desafios postos pela nova ordem global observa-se de modo crescente uma mudança de mentalidade em um número cada vez maior de aspectos da vida profissional e cotidiana. A alteração de papéis e comportamentos, como resultado da revolução tecnológica, tem afetado e transformado tantos paradigmas numa velocidade nunca vista, que o cidadão necessita cada vez mais de ações que atinjam positivamente a sociedade. Todas as mudanças apontam em grande medida para a fragilidade de concepções anteriores, como também para a perspectiva de desenvolvimento progressivo do direito a fim de que se adapte à dinâmica social.

Aquele trabalhador que entrava na empresa como aprendiz e dela só saía quando se aposentava, aquela atividade que somente podia ser feita por determinado empregado porque cada um só sabia a sua função e não lhe era cobrado o conhecimento da atividade alheia, aquela segurança de que ao cumprir o horário, sem atrasos e faltas o emprego estava garantido, aquela confiança sindical de que bastava fazer greves para que seus direitos fossem respeitados e ampliados... Enfim, aquele mundo que ficou na lembrança de algumas gerações e é desconhecido pelas atuais, foi substituído pela reengenharia organizacional dos maiores e melhores resultados.

Hoje se produz em maior quantidade e com melhor qualidade com um número bem menor de empregados.

Seguramente, a capacidade de promover ações que transformem positivamente a sociedade é essencial para a validação de um Estado de direito. Com isso, pode-se perceber a premência de alterações pragmáticas capazes de reformular padrões axiológicos delimitadores das bases em que se assentaram os ideais dos legisladores do século passado, quando formularam a Consolidação das Leis Trabalhistas, a qual já não representa mais os anseios da classe trabalhadora e menos ainda, dos empresários e dos investidores.

A nova ordem global

É possível, numa incursão histórica, revisitar a cidadania como um elo entre os princípios de sobrevivência e os marcos civilizatórios em que o trabalho, no pensamento Aristotélico, era deixado para os “menos cultos”... Entretanto, na dimensão atual, elevada à categoria de elemento central na relação laboral, ao lado da dignidade e do respeito à pessoa do colaborador e não do lucro através dele obtido, a cidadania representa mais que um dos diferenciais da empresa, representa uma das suas condições de destaque, competitividade e até mesmo permanência no mercado.

Sabe-se que o mercado tem valorizado a cada dia mais, um novo perfil de profissional - o multiskilled - orientado para resultados, criativo e inovador, voltado para um modelo de gestão que tem a cidadania e a responsabilidade social como fundamentos. Os resultados de muitas pesquisas têm demonstrado que cada vez mais fornecedores de bens e serviços e titulares da governança corporativa estão investindo em projetos sociais, e que tais ações têm contribuído para fixar melhor sua imagem ética, com vantagem competitiva junto aos clientes e consumidores, uma vez que, surge nesses uma nova consciência consubstanciada na certeza de que não estão ligando sua marca ou nome a empregadores cujos lucros advêm de exploração humana e precarização das condições de trabalho.

O colaborador atualmente tem que se adaptar ao emprego flexível, considerado pela OIT como aquele realizado em jornadas menores que a integral e aquele contratado com prazo determinado: o tempo parcial1, o temporário, o intermitente, o aprendiz, o sazonal, o contrato de reciclagem profissional no Brasil; o “job sharing” e o “at will”2 nos EUA; o "contratto a progetto" e o “lavoro ripartito” na Itália3; entre outros.

Nota-se, por conseguinte, que a cidadania assume, no contexto contemporâneo, um novo patamar em relação aos objetivos do direito. De um modo geral e, em especial, no que diz respeito à sua efetividade através de todos os atores sociais, presentes no empresariado, no governo, no terceiro setor, enfim, em todas as vertentes responsáveis pela construção de uma sociedade mais justa, seja por meio de uma melhor adaptação da legislação já existente ou da interpretação mais corajosa dos tribunais trabalhistas.

Tais modelos, no campo social da produção material dos indivíduos, exigem dos legisladores, dos juristas e dos operadores do direito uma abertura para o novo, para a atualização dos preceitos embutidos nas relações trabalhistas e na perspectiva de um constante diálogo entre os atores sociais para o fortalecimento sobre as formas de trabalho, de contratação, de execução e de tutela introduzidas com a Declaração Universal de 1948.

Notadamente a globalização impõe aos cidadãos a necessidade de uma reflexão e revisão dos modelos que existiram até o momento e, que agora estão em questionamento. Tais modelos, no campo social da produção material dos indivíduos, exigem do magistrado uma abertura para o novo, para a atualização dos preceitos ali embutidos e a perspectiva de um constante diálogo.

Dessa forma, torna-se imprescindível focar as questões da justiça, da ética, da cidadania e do direito diante da alteração de paradigmas que a sociedade está impondo a cada dia. Como, com razão, adverte Mota de Souza:

A dignidade humana não é apenas um direito fundamental, inscrito na Constituição Federal em virtude de uma Declaração Universal deste século, ou daquelas do século 18, mas por ser intrínseca a todos os homens sua distinção pela racionalidade.4

Ressalte-se que ainda, há muita falta de interesse político em levar adiante algumas iniciativas que podem ampliar as ações sociais das empresas, como, por exemplo, o Projeto de Lei n. 6.103/02, apresentado à Comissão de Finanças e Tributação em fevereiro de 2002 por Wilson Pereira dos Santos, Deputado Federal-MS, que determinava que o volume de investimento das empresas em ações sociais e ambientais fosse critério de desempate nas licitações públicas. Mas, lamentavelmente o referido PL está arquivado na mesa diretora da Câmara dos Deputados.”5

Isto indica a necessidade de se ampliar o diálogo entre a sociedade civil, as empresas e o Estado (em todos os níveis institucionais), a fim de que a empresa nacional se afirme no atual contexto social, para que possa contribuir para o fortalecimento da democracia e das condições sociais de modo geral.6

Da Responsabilidade Social
3. 1 Evolução histórica da responsabilidade social

Com a independência dos Estados Unidos, os estados norte-americanos passaram a aprovar legislações que tinham como propósito os serviços de interesse público e a realização de lucros para os acionistas das corporações.

Na Europa e nos Estados Unidos, a ética e a responsabilidade social corporativa eram aceitas como doutrina até o século XIX, quando o direito de conduzir negócios de forma corporativa não era um econômico privado, mas sim uma prerrogativa do estado e da monarquia. Todavia, o que se tem notícia é de que foi em 1899 que surgiu a primeira abordagem mais clara acerca da responsabilidade social das grandes empresas, através das ações criadas pelo empresário Andrew Carnigie, fundador do conglomerado U.S Stell Corporation.

Andrew Carnigie publicou um livro intitulado o Evangelho da Riqueza, que estabelecia a abordagem clássica da responsabilidade social das grandes empresas, baseada no princípio da caridade e da custodia. A caridade exigia que os membros mais ricos da sociedade daquela época ajudassem os menos afortunados, contribuindo financeiramente com idosos, desempregados e inválidos, por exemplo. A custódia era espelhada na Bíblia, prescrevendo que as empresas e os ricos se enxergassem como guardiões da riqueza, mantendo suas propriedades em custódia para benefício da sociedade.7

Em 1919, a questão da ética, da responsabilidade e da discricionariedade dos dirigentes de empresas abertas veio a público com o julgamento do caso Dodge versus Ford, nos EUA, que tratava da competência de Henry Ford, presidente a acionista majoritário da empresa, para tomar decisões que contrariavam interesses dos acionistas John e Horace Dodge. Em 1916, Henry Ford, alegando objetivos sociais, decidiu não distribuir parte dos dividendos esperados, revertendo-os para investimentos na capacidade de produção, aumento de salários e fundo de reserva para a redução esperada de receitas em função do corte nos preços dos carros.

A Suprema Corte de Michigan foi favorável aos Dodges, justificando que a corporação existe para o benefício de seus acionistas e que diretores corporativos têm livre-arbítrio apenas quanto aos meios para alcançar tal fim, não podendo usar os lucros para outros objetivos. A filantropia corporativa e o investimento na imagem da corporação para atrair consumidores poderiam ser realizados na medida em que favorecem os lucros dos acionistas.8

A Grande Depressão Americana de 1930 lançou no mercado corporativo as primeiras ideias sobre práticas de negócios direcionadas a um número maior de interessados. O princípio da caridade instituía uma obrigação aos mais abastados, no sentido de contribuir financeiramente com os menos favorecidos da sociedade, como idosos, desempregados e inválidos, por exemplo, enquanto o princípio da custódia instituía a ideia das empresas e ricos multiplicarem a riqueza da sociedade. Tanto o...

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